Estado de Minas U ma sensação. Não mais do que isso a princípio. Uma sensação - ou seria mais justo dizer uma percepção? - no canto do o...
Estado de Minas
No entanto, bastava virar a cabeça, desviar o olhar da tela do computador e voltá-lo para os papéis sobre a mesa, para sentir que alguém, algo, o espiava. Não todas as vezes, porém. Só em alguns momentos, sempre fugidios.
Cada vez mais frequente, aquilo que havia sido apenas sensação tornou-se desagrado, desconforto, exigindo ação. Vencerá o mais persistente, pensou ele, dentes trancados. E pôs em marcha o seu pequeno plano.
Voltava a cabeça pausadamente, com ênfase quase, querendo atrair quem quer que se movesse esquivo. Abaixava-a sobre os livros, fingia tomar anotações. E, de repente, virava-se para a posição inicial, olhos postos na tela.
Na tela, porém, deslocava-se em grande lentidão uma floresta, aos poucos substituída por um ramo de avenca, e em seguida um riacho, a brotação de uma folha. Era o seu descanso de tela evitando o desgaste do monitor.
Passou horas nessa caçada muda. Sua estratégia lhe garantiu, afinal, que sempre, ao tentar flagrar o inimigo, deparava-se com o verde. Era no verde, então, que ele se escondia.
Arrumou um mínimo espelho, posicionou-o oculto entre livros. Fazia-se de ocupado, lapiseira na mão, cabeça baixa. Mas o olhar, enviesado no espelhinho. E quando a floresta apontava, num salto a encarava. Até que, afinal, o viu.
Um vulto, um homem talvez, o espiava por trás de um tronco a outro. Troncos que também se moviam, mais lentos, logo dissolvendo ou absorvendo aquela pessoa no ramo da avenca.
Mais que susto, tomou-o um sentimento de vitória. Mas vitória não havia, já que a figura continuava movimentando-se, indiferente ao fato de ter sido descoberta. Pensou por momentos que fizesse parte do cenário. Seus movimentos, porém, eram sempre diferentes. Não havia sido posto alí junto com a floresta ou o riacho. Era um invasor.
Limpou a mesa, nada de pessoal haveria de ficar à mostra. Controlou sua correspondência. E ele alí, entre troncos. O que queria, afinal? O que faria das informações que porventura obtivesse, se é que estava atrás de informações? Sabê-lo presente tornou-se garra em seu ombro, peso que aniquilava a espontaneidade. Nunca mais se sentira sozinho em seu escritório.
Só quando pensou em desfazer-se do computador percebeu o quanto de sua vida havia entregue à máquina desconhecida. Fora incauto e agora era tarde, a perdê-lo perderia parte importante de sí. Trocar o descanso de tela não era garantia, o habitante poderia deslizar para outra parte daqueles contatos, tornando-se mais perigoso porque mais oculto. Jogar no lixo pareceu-lhe impensável, não entregaria sua privacidade à curiosidade alheia.
Recolheu mínimos dados pessoais. Não esperou pela floresta. Levou o computador para a garagem. A tela apagada era um olho acusador. Sem nada dizer que o denunciasse, levantou a marreta.
Que claro pareceu-lhe o escritório com aquela ausência. Era tempo de retomar sua vida onde havia sido interrompida.
Sorrindo, tomou o pen drive sobre a mesa. E ainda sorria quando o inseriu, lentamente, no computador novo.