Roy Lichenstien Estado de Minas, quinta-feira, 10 de Outubro de 2013 Passava distraída diante da vitrina, quando um item, um item...
Roy Lichenstien |
Estado de Minas, quinta-feira, 10 de Outubro de 2013
Passava distraída diante da vitrina, quando um item, um item pequeno e discreto, só aquele, me chamou. Dei mais dois passos à frente, o chamamento me trouxe de volta, parei, demorei alguns minutos analisando do lado de cá do vidro. É provável que ela tenha visto minha hesitação. Se viu, certamente desejou que eu fosse embora, preferia perder a venda a ter que me atender. Mas entrei.
Reparei que ela estava com o nariz vermelho. Bonita moça, mas de nariz vermelho. Resfriado, pensei. E ela pareceu confirmar, esfregando-o de leve com o dorso da mão. Pedi o item que havia me interessado, experimentei. Ela, atrás do balcão, cabeça baixa, ausente. Só ao dizer que sim, que eu levaria aquilo que me havia atraído, vi que chorava.
Nunca sei o que fazer quando alguém que me é estranho chora na minha frente. Ignorar, me parece desumano. Fazer perguntas é certamente indiscreto. Oferecer ajuda pode soar ridículo, pois como se ajuda quem não se conhece e sofre?
Ela ali, fazendo o embrulho, lágrimas escorrendo, ela sem saber se as enxugava, se fazia conta de nada, e ainda por cima com medo de manchar o delicado papel do embrulho. Para evitar o desastre, puxou a cabeça para trás.
Sofre por amor, pensei. E tentar adivinhar a razão daquele pranto era minha maneira calada de ajudar ou de ser, pelo menos, solidária. Ele a deixou ou a traiu, pensei ainda, e ela que havia posto tanta esperança, tanto empenho nesse encontro, nesse amor, agora se vê desamparada, seu Titanic afundou deixando-a sem colete salva-vidas. Adiante, certamente, há uma costa, mas com esses olhos cheios d’água e na escuridão em que se encontra, não há como vê-la, não há sequer como pensar que bastará nadar.
Quando eu sair levando meu embrulho, pensei enquanto digitava a senha do cartão de crédito, esta moça de nariz vermelho pegará o celular e, na loja vazia, na loja felizmente vazia, ligará para sua amiga e aos prantos repetirá tudo o que já lhe disse de manhã ao chegar, ou ontem, quando o mar começou a entrar pelas escotilhas. Depois ligará para outra, e dirá as mesmas coisas novamente, com as mesmas palavras, aquelas que não lhe permitem ficar calada. E dirá como foi duro vir hoje para o trabalho, enfrentar a condução, abrir a loja, e que sorte que é dia de pouco movimento no shopping, tomara que não entre mais ninguém, como aquela senhora que saiu agora e a viu chorando porque não deu para segurar. Que ninguém mais lhe peça nada hoje, porque hoje ela não tem condições de dar nada a ninguém, tudo o que tinha de importante lhe foi tomado, e ela quer de volta o que é seu ou que pensou fosse seu, o quer desesperadamente de volta.
Me despeço, ela murmura alguma coisa, mais de alivio pela minha partida do que de agradecimento, e sem ter-lhe estendido a mão, sem ter-lhe deixado sequer perceber meu carinho, eu a abandono.
Mas algo desse choro ficou em mim, e chegando em casa conto tudo ao meu marido, o nariz vermelho da moça , as lágrimas, o medo dela de manchar o embrulho. “Vai ver, tinha sido despedida, ” diz ele, mudando com um sorriso e uma única frase todo o quadro romântico que eu havia construído. “Estava chorando e te tratando com desatenção porque era o último dia de trabalho dela, e uma venda a mais ou a menos não faria a menor diferença “.
Reparei que ela estava com o nariz vermelho. Bonita moça, mas de nariz vermelho. Resfriado, pensei. E ela pareceu confirmar, esfregando-o de leve com o dorso da mão. Pedi o item que havia me interessado, experimentei. Ela, atrás do balcão, cabeça baixa, ausente. Só ao dizer que sim, que eu levaria aquilo que me havia atraído, vi que chorava.
Nunca sei o que fazer quando alguém que me é estranho chora na minha frente. Ignorar, me parece desumano. Fazer perguntas é certamente indiscreto. Oferecer ajuda pode soar ridículo, pois como se ajuda quem não se conhece e sofre?
Ela ali, fazendo o embrulho, lágrimas escorrendo, ela sem saber se as enxugava, se fazia conta de nada, e ainda por cima com medo de manchar o delicado papel do embrulho. Para evitar o desastre, puxou a cabeça para trás.
Sofre por amor, pensei. E tentar adivinhar a razão daquele pranto era minha maneira calada de ajudar ou de ser, pelo menos, solidária. Ele a deixou ou a traiu, pensei ainda, e ela que havia posto tanta esperança, tanto empenho nesse encontro, nesse amor, agora se vê desamparada, seu Titanic afundou deixando-a sem colete salva-vidas. Adiante, certamente, há uma costa, mas com esses olhos cheios d’água e na escuridão em que se encontra, não há como vê-la, não há sequer como pensar que bastará nadar.
Quando eu sair levando meu embrulho, pensei enquanto digitava a senha do cartão de crédito, esta moça de nariz vermelho pegará o celular e, na loja vazia, na loja felizmente vazia, ligará para sua amiga e aos prantos repetirá tudo o que já lhe disse de manhã ao chegar, ou ontem, quando o mar começou a entrar pelas escotilhas. Depois ligará para outra, e dirá as mesmas coisas novamente, com as mesmas palavras, aquelas que não lhe permitem ficar calada. E dirá como foi duro vir hoje para o trabalho, enfrentar a condução, abrir a loja, e que sorte que é dia de pouco movimento no shopping, tomara que não entre mais ninguém, como aquela senhora que saiu agora e a viu chorando porque não deu para segurar. Que ninguém mais lhe peça nada hoje, porque hoje ela não tem condições de dar nada a ninguém, tudo o que tinha de importante lhe foi tomado, e ela quer de volta o que é seu ou que pensou fosse seu, o quer desesperadamente de volta.
Me despeço, ela murmura alguma coisa, mais de alivio pela minha partida do que de agradecimento, e sem ter-lhe estendido a mão, sem ter-lhe deixado sequer perceber meu carinho, eu a abandono.
Mas algo desse choro ficou em mim, e chegando em casa conto tudo ao meu marido, o nariz vermelho da moça , as lágrimas, o medo dela de manchar o embrulho. “Vai ver, tinha sido despedida, ” diz ele, mudando com um sorriso e uma única frase todo o quadro romântico que eu havia construído. “Estava chorando e te tratando com desatenção porque era o último dia de trabalho dela, e uma venda a mais ou a menos não faria a menor diferença “.