Marina Colasanti, a tecelã das palavras Ninfa Parreiras Feitas de meadas, de tramas, de linhas. Grossas, ásperas, finas, deslizan...
Marina Colasanti, a tecelã das palavras
Feitas de meadas, de tramas, de linhas. Grossas, ásperas, finas, deslizantes, transparentes, felpudas, espinhentas. Assim são feitas as histórias e poemas tecidos por Marina Colasanti. A palavra ora nos cobre de neblina no mundo feérico dos contos de fadas, ora nos inebria de imagens condensadas dos poemas. Ora nos faz transitar por crônicas e diálogos do dia-a-dia, ora nos embriagam de histórias breves como cânticos de amanhecer. Marina traz o mar em seu nome, traz uma mina preciosa de palavras. Tece e destece qual Penélope. Ao destecer, ela desconstrói estigmas, padrões congelados. Chega uma voz feminina de grandeza da literatura brasileira, da fêmea escritora. Ao tecer, ela nos conduz a um universo lírico e onírico: a poesia e o sonho. O sonho que nos alimenta para a vida e a literatura.
Somos também fios como leitores e tecemos e nos entristecemos com as suas histórias. Seus poemas conversam com o leitor e dialogam com a própria criação. Isso é competência dos grandes autores!
Como escritora consagrada de contos de fadas para crianças e jovens de todas as idades, tem uma produção singular, como a grande autora latino-americana da contemporaneidade.
Em 1979, ela publicou Uma ideia toda azul, com texto e ilustrações de sua autoria, com 10 contos curtos, breves e sintéticos. Em suas histórias, importa menos a descrição das personagens, e mais a metaforização de verdades humanas, de afetos universais, o ser nas suas buscas e as descobertas intermináveis da subjetividade de cada um. A dissecação da nossa alma. Nos seus contos de fadas, atualmente são centenas publicados, ela costuma abordar (e bordar) questões como o amor, a autonomia, a liberdade, o construir, o recomeçar, a ruptura, o destino.
Marina é uma tecelã das palavras. Ou uma bordadeira de imagens. Com letras cria paisagens, cenas fantásticas, melodias que nos transportam ora para contos, ora para poemas. Parece escrever com linha, agulha e tesoura de ouro. Ela sabe tão bem cortar o texto, no ponto certo. Uma das coisas mais difíceis para um escritor.
Como ilustradora, cria imagens condensadas, carregadas de lirismos e de representações simbólicas. Uma roca, uma coluna, um aro. Carregadas de sentimentos, de valores universais e atemporais.
Como poeta, versa com uma navalha de prata e lâmina de cristal. Versos delicados, concentrados em substantivos e verbos. Nosso olhar se desloca e se aloca nas belas imagens geradas pelos poemas. E mais, passeia por música versada em ritmos ancestrais, outros mais contemporâneos. Sempre clássicos.
Como contista, suas histórias são para serem lidas num deslocamento de ônibus, de trem, de avião, de carroça (como nos dizia Edgar Alan Poe acerca do conto). Cada relato dura a viagem que escolhermos. Nossos olhos se deslocam e passeiam por identidades, casas, colunas, memórias.
Como ensaísta, Marina nos leva a pensar sobre a literatura, como arte maior da vida. Discute leitura, contos de fadas, livros, autores clássicos. E discursa em um fio que flui com naturalidade, sem pressa, inclusive para leitores leigos. Seus ensaios são literários.
Como cronista, Marina fica de olho na esquina dela, na minha, na sua. De onde brotam coisas às vezes sem importância, que ganham relevo com suas palavras. Viram uma pedra a ser lapidada em suas mãos.
Como autora de contos breves, recentemente, em Hora de alimentar serpentes, ela encerra com o livro com o conto Porto. Sigam comigo:
E o navio fantasma atracou na terceira margem do rio (p 445).
Com 10 palavras, ela cria um oceano, uma viagem, um porto, uma vida, uma assombração, um medo, um enfrentamento, um passado, uma solidão, uma busca, um passado, um presente, um desejo... Para que serve viver? Quantas margens descobrimos aí, Marina!
Como tecelã, ela tece seus textos, contextos, panos, planos, cobertas, morada. Marina é uma fada das histórias!
E como contadora de histórias, ah, não sei dizer se prefiro Marina como contadora de histórias do que como escritora. Sei que quando escuto a Marina contar, eu vou pra lá, pra onde ela me leva. Que nem quando leio seus textos...