Marina Manda lembranças S egunda-feira eram 887 as vitimas de ebola. Quando esta crônica sair no blog podem até ter chegado a 1000. Assi...
Marina Manda lembranças
Minha avó materna morreu de gripe espanhola. Teve duplo azar. Ela vivia em Parma, na Itália, país que teve o mais alto índice de mortos entre os cerca de 40 milhões vitimados no mundo. E a epidemia desapareceria pouco meses depois de atacá-la, na primavera de 1919 um ano depois do seu surgimento. Nunca se soube ao certo o que levou a gripe assassina a brotar, na Espanha, assim como nunca se soube o que a levou a sumir subitamente depois de ter feito o seu serviço.
Estávamos certos, porém, que epidemias desse vulto não cabiam no moderníssimo século XXI. Pelo bem da nossa paz interior, acreditávamos que o tropel de vírus, os cadáveres caídos pelas ruas, as multidões em pânico e os alertas internacionais pertenciam somente a um tipo específico de filme catástrofe. Quase como os mortos vivos que emergem dos túmulos, apodrecidos e sedentos de sangue fresco.
A medicina, pensávamos, evoluiu tanto que, haja o que houver, borrifa-se um spray, lavam-se as mãos, toma-se uma vacina, e pronto, o surto se limita apenas a alguns cadáveres, em alguns países que nada tem a ver conosco.
Agora, os países têm a ver conosco. Não porque estejam próximos. Nem porque tenha aumentado nossa capacidade de compaixão. Mas porque não acreditamos que fronteiras, mesmo fechadas, possam conter um vírus determinado como esse. Vírus nunca precisou de passaporte.
Donald Trump, o magnata que vai plantar torres na zona portuária do Rio e cuja notoriedade não se deve nem à simpatia, nem ao caráter, nem sequer aos penteados, tornou públicos seus temores (aliás, o que nele não é público?). Insurgiu-se contra a decisão de repatriar o médico americano Kent Brantly, infectado quando lutava para salvar vidas na Libéria, e sua assistente, a missionária Nancy Writebol. Se médicos americanos querem se arriscar em países longínquos, disse Trump sutil, tudo bem, que o façam, mas que fiquem por lá.
Enquanto isso, na Libéria, quando a equipe medica que transportaria o médico de volta para o seu país preparava-se para aplicar-lhe uma medicação experimental secreta, este, embora estivesse grave, pediu que a medicação fosse aplicada antes em Nancy, porque ele era mais jovem. Até o momento em que escrevo, Brantly e Nancy continuavam vivos, o que não é garantia de um remédio miraculoso, mas abre esperanças.
Quando a Peste Negra atacou a Europa no século XIV, dizimando um terço da população, as cidades fecharam suas portas, como fizeram agora Libéria, Guiné e Serra Leoa. E como agora nesses países, também na Idade Media procuraram-se culpados pelo flagelo. Se então perseguiam-se os estrangeiros e acusavam-se pessoas de estarem envenenando os poços, hoje atacam-se postos médicos, dificulta-se o trabalho dos médicos e nega-se a existência da doença.
Muito longe da África, em Yushu, na China, a população é prevalentemente budista. E muitos vão ao rio que atravessa a cidade, munidos com uma vara, para libertar camarões minúsculos que ficam presos na lama. Como diz um dos fiéis, “Buda nos ensinou que a atitude correta é tratar com amor e compaixão todos os outros seres, por menores que sejam”.
Bart Janssens, coordenador das equipes dos Médicos Sem Fronteira que lutam praticamente sozinhas nos países atacados pela ebola , faz um apelo:”Estamos pedindo ajuda internacional, a situação só faz piorar”. E nós esperamos muito que seja ouvido.