Marina Manda Lembranças O aquecedor na casa da minha filha enguiçou. Ela chamou seu gazista de confiança, estava ocupado em uma obra, ...
Marina Manda Lembranças
Dia seguinte, vem ela almoçar na minha casa, mas antes passa na grande loja de aquecedores aqui perto. Mostra a peça ao vendedor, pede uma nova. Mínima demora, peça nova na mão, o vendedor dá o preço: são sessenta reais. Espanto da filha, o primeiro. Porque logo o homem sugere testar a peça que ela trouxe, para ver se, de fato, está estragada. Testada na frente dela, a peça que o gazista havia querido trocar funciona perfeitamente. Segundo espanto da filha. O vendedor ainda pergunta quanto o gazista queria cobrar e, ao saber a quantia, sibila entre dentes: "safado! "
Conto esse episódio doméstico movida pelos tempos eleitorais. Em quem votará o gazista? E quais serão seus argumentos justificando a escolha?
As campanhas fervem, os debates se sucedem, os candidatos invadem nossas casas nos horários eleitorais . Somos diretamente convocados a participar. E participamos, ah!, se participamos. No taxi, na feira, na sala de espera do médico, na manicure ou na fila do supermercado fala-se de política, esquartejam-se os pretendentes aos diversos postos de comando.
E o argumento que mais tenho ouvido para a escolha de um candidato, não é o seu valor pessoal ou seu partido, muito menos o seu projeto de governo. O que mais está se usando como justificativa é a afirmação — feita com cara de desprezo quando não de nojo — que os outros políticos são "todos corruptos" ou "safados" ou, com mais frequência, "ladrões".
É verdade, há muita corrupção, muita ladroagem, muita safadeza na nossa política. Mas os políticos não foram importados, nem são invasores que se apossaram de Brasília. São brasileiros normais, como todos os brasileiros normais — pressupondo que a normalidade exista — e por eles foram escolhidos.
Com certeza, o gazista da casa da minha filha esbraveja, em casa ou no botequim, contra a ganância dos políticos, embora sendo ele mesmo fiel praticante do furto, na medida que lhe é possível.
E o policial que achaca o motorista, o dono de restaurante que põe uma cerveja a mais na nota, os milhões de cidadãos que escamoteiam dados do Imposto de Renda, os que fazem gatos, os que vendem recibos médicos, os que falsificam carteirinha de estudante, os que aumentam preços de forma abusiva, os que pulam por cima das roletas, todos eles enchem a boca para falar da "pouca vergonha" dos políticos.
Os políticos não são espécie à parte, são parte de nós. Não à toa nos representam. E se há tantos que se deixam corromper, é porque há outros tantos corruptores. E se há muitos que são honestos, sérios, batalhadores, é porque entre nós também há muita gente de bem.
É cômodo queixar-se, criar um império do mal e descarregar nele tudo o que se despreza. Mas ao achar que o panorama eleitoral é uma treva, que ninguém ou quase ninguém ali presta, seria aconselhável dar uma olhada na nossa sociedade, e perguntar-se porque não produz uma classe política da qual possa se orgulhar.