Marina Manda Lembranças A s semanas são todas iguais. Começam na segunda-feira e desfilam seus sete dias na mesma idêntica sequência, p...
Marina Manda Lembranças
No Brasil, confirmamos que é sábado - e que amanhã será domingo- comendo feijoada. Nas casas de outros países reafirma-se o domingo - que invariavelmente antecede a segunda- servindo à mesa carne assada. Ou lasanha. Ou sushi. Ou, então, almoçando de forma quase ritual na " casa da mãmãe".
Também os dias são todos iguais, menos os dois do fim de semana que são iguais entre si como irmãos gêmeos, mas não têm nada a ver com os outros. Os dias iguais das semanas iguais começam todos do mesmo jeito: obrigando a gente a abrir os olhos e a pensar que vai ser preciso levantar. Algumas pessoas se espreguiçam, mas não é tão obrigatório quanto abrir os olhos, o dia pode começar sem isso. Há gente que toma banho depois de sair da cama - antes, ficaria difícil- mas isso tampouco é obrigatório. O que, sim, é indispensável para colocar o dia em movimento, é o cheiro de café espalhando-se pela casa. O cheiro prende-se a uma presença que irmana todas as casas, a borra de café. Pode estar no coador, na maquininha italiana, no sachê descartável, na pia da cozinha, ao redor do ralo ou no saco de lixo, mas o cheiro não existe sem ela.
A partir daí, a rotina dos dias é de uma monotonia espantosa. Café tomado, há que trabalhar, comer, trabalhar mais, voltar do trabalho, comer novamente - se for possível - ver televisão e deitar para dormir na mesma cama da qual fomos expulsos de manhã, sabendo que no dia seguinte abriremos os olhos que ainda nem acabamos de fechar. Durante essas atividades, nos dedicamos a falar da própria vida e da alheia, e a despejar nosso lote de queixas a respeito do mundo e da existência.
Todos os dias temos algo de que nos lamentar. Mas, quando interrogados pelas pesquisas de comportamento, costumamos responder que somos felizes. Os dias, as semanas, os meses somados formam os anos. Os anos somados formam a vida. A única coisa que de fato muda todos os dias, embora só o confessemos uma vez por ano, é a idade. E se conseguimos sobreviver ao tédio é somente porque, sendo iguais, os dias são todos diferentes.
Abrimos os olhos, e nosso GPS interior é acionado automaticamente. O menu do dia anterior passa pela cabeça no tempo de duas piscadelas, seguido pelo cardápio do dia que começa. Já saímos da cama programados. O vento soprou em outra direção durante a noite, o clima mudou, ontem sandálias hoje galochas. O cheiro de café, a borra. E o dia se põe em marcha. Tudo pode acontecer. O encontro que mudará nossa vida está a caminho, a pessoa que deixará um cão na nossa casa já separou o filhote, uma surpresa ou um espanto nos espera além da esquina. E porque tudo pode acontecer, seguramos firme a alça da rotina, daquela rotina aparentemente monótona que nos permite crer que tudo será como ontem, que a vida continuará sendo como a conhecemos, que nada de ruim nos aguarda, que, pelo menos por hoje, estamos salvos.