Marina Manda Lembranças M eu pai tinha 17 anos quando fugiu de casa com a conivência do pai. Ia à guerra. A guerra, na ocasião era a c...
Marina Manda Lembranças
Depois dessa, houve guerras de montão bem mais fatais que, certamente, contaram com infinitos voluntários. Mas o sinistro ataque ao Charlie Hebdo traz de volta ao primeiro plano o impulso que leva um jovem a adotar ideais extremos, e a oferecer sua vida por algo aparentemente distante do seu cotidiano, que meses ou anos antes sequer ocupava sua atenção.
Todos nos perguntamos o que faz com que um jovem americano ou holandês ou seja de onde for, até então aparentemente normal, saia da sua vida para ir a outro país, submeter-se a um treinamento que o levará diante das câmaras a decepar a cabeça de um semelhante.
Cherif Kouachi foi até certo ponto um jovem meio perdido que gostava de rap. Mais adiante, quando esse ponto havia sido ultrapassado, foi preso no aeroporto, tentando embarcar para a Síria . Quantos jovens de ficha mais limpa que a dele, passaram tranquilamente pela mesma roleta e se tornaram combatentes?
Tento não me contaminar pensando nos resultados ou avaliando a ideologia. Quero manter o foco no impulso que subitamente — ou lentamente — desperta o instinto guerreiro.
Calcula-se que haja atualmente em Israel 3000 hayalim bodedim, ou seja, lone soldier, jovens soldados sem família no país, vindos do mundo todo. Estima-se que 500 sejam franceses. Geralmente muito jovens, classe média, sem terem jamais vivido a guerra, saídos diretamente da faculdade ou do início de carreira. Podem adotar a nacionalidade israelense ou recrutar-se sem ela como voluntários militares. Para isso, é necessário comprovar pelo menos um avô ou avó judeus. O número de postulantes aumenta grandemente nos períodos de acirramento dos conflitos.
Diz Nissim, capitão de infantaria de um batalhão de elite, que se inscreveu por um período de 5 anos e meio: "Quando eu estava acabando o segundo grau, em Paris, o diretor nos aconselhou a ficar para trás na plataforma do metrô, porque um aluno havia sido empurrado sobre os trilhos. Aqui, podemos nos defender... Já fiz a guerra do Líbano, centenas de operações na Judéia, na Samária, em Gaza..."
Depois de Fiume, quando já adulto, meu pai foi voluntário duas vezes mais, nas guerras colonialistas da Itália. Da segunda vez, era tanto o seu desejo de participação que, havendo excesso de oficiais, ele se degradou, indo como soldado simples. E era já um senhor de bastante idade quando lamentou comigo não poder ir à guerra das Malvinas. "A guerra, Marina, é bonita para um homem", me disse à guisa de explicação.
Essa frase plantou em mim, para sempre, a suspeita de que a guerra exerça sobre os homens uma atração em si, que eles concretizam se apenas lhes aparece uma ideologia que a justifique.
O sucesso de James Bond pode ter aí suas raízes. Ele também usa uniforme (seu smocking impecável), mantém a adrenalina altíssima, está a serviço de uma causa, corre riscos constantes mas está certo de sobreviver, usa armas incríveis. E tem licença para matar.