Q uando eu publiquei meu primeiro livro, que foi publicado em 1968, mas foi escrito cinco anos antes - ficou esperando o editor - ele fo...
Eu naquela época trabalhava no Jornal do Brasil, era cronista, do Segundo Caderno. E claro que eu não ia querer chegar em casa e repetir aquilo que eu tinha feito na redação, eu fazia crônica na redação e ia chegar em casa e fazer crônica de novo pra mim? Não era isso que eu queria. Eu estava, uma vez que eu já tinha algum retorno como cronista, já tinha alguma micro segurança sobre o meu texto, eu estava a procura de outros caminhos. Caminhos esses dos quais não tinha ideia, eu não sabia nem que caminhos eram, então, tateando, eu criei uma estrutura. Eu não sabia na verdade que eu estava estabelecendo um padrão para o futuro, que eu usaria ao longo de toda a minha carreira. Criei uma estrutura e escolhi um tema.
A estrutura era muito ousada, e eu também não sabia. Vocês estão vendo que eu era cheia de ignorância e desconhecimentos. E o tema era de uma pretensão espantosa, mas jovem não sabe quando está sendo pretensioso. O tema era a solidão. Eu escolhi esse tema por que era alguma coisa com que eu tinha certa intimidade. E a estrutura que eu criei foi baseada na minha própria vida, não por uma ânsia auto biográfica exibicionista mas porque era a única vida que eu conhecia, que eu achava que conhecia bem, muita intimidade com essa vida que era minha. A estrutura funcionava assim: eu trabalhei com alternância, os capítulos pares eram de momentos de solidão do presente e os capítulos ímpares eram de momentos de solidão do passado, auto biográficos, avançando cronologicamente começando na África onde eu nasci.
Eu sabia que eu não queria escrever um romance, como não quis escrever até hoje. Eu achava que eu não queria talvez escrever uma história, ou se eu queria escrever uma história, eu queria escrevê-la de forma não linear, de forma não óbvia, porque a linearidade eu já tinha na redação, eu era secretária de texto, eu corrigia textos dos outros o dia inteiro, e o texto de imprensa é por sua própria natureza linear, realista e óbvio. Foi isso que me conduziu a essa estrutura.
O livro saiu e ninguém percebeu estrutura nenhuma. Zero. Mas eu já tinha achado o meu caminho. Essa conversa de estrutura bastante rigorosa que eu criei, essa moldura auto imposta, porque ninguém estava me obrigando, parece em desacordo com o clima altamente emocionado desse primeiro livro e com imaginário desembestado com que eu ia trabalhar dali pra frente. Mas na verdade eu criei a estrutura porque eu precisava de uma defesa, como um guarda mancebo, aquela coisa ao redor do barco, com aqueles arames, para que o marinheiro possa andar no convés mesmo em tempestade. Eu sentia a necessidade de alguma coisa em que me segurar pra não entornar os sentimentos, entornar as palavras, desbordar. A estrutura me servia para manter o controle sobre aquilo que eu estava escrevendo e que para mim era muito intenso.
Trecho retirado da conferência: "O navio fantasma atraca na terceira margem do rio" ministrada durante o 19º Congresso de Leitura do Brasil (COLE).
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