Marina Manda Lembranças H á três dias ando de metrô grátis. Generosidade francesa? Não, poluição ambiental. Liberar o acesso ao m...
Marina Manda Lembranças
Em compensação, comprei uma pinça de sobrancelhas que veio embalada em impecável caixa de acrílico, design puro que, a meu ver, congrega três funções extremamente modernas: gastar sem necessidade um tanto de recursos naturais; poluir a natureza graças à extrema durabilidade; encarecer o preço final do produto.
Mas não vim a Paris para falar de poluição e de perversas leis de marketing, e sim para participar, com mais de 40 escritores brasileiros, do Salon du Livre.
Esteve bom, o Salon. Já sabemos fazer estandes econômicos e suficientemente imponentes para essas situações, e é reconfortante ver nossos livros expostos, ainda que a maioria em sua própria língua. Houve sempre autores ocupando com palestras e mesas redondas os anfiteatros criados para isso, houve sempre autores autografando, embora nem sempre houvesse gente enfileirada pedindo autógrafos. Houve até seções de apresentação gastronômica, com direito a demonstrações de cozinha mineira. E houve muitos brasileiros — radicados — na França pedindo fotos, reconhecendo os autores, criando um certo clima FLIP muito carinhoso. Os percalços — sempre os há, — foram superados e os atrasos – sempre os há, e não só no Brasil — foram incorporados. Podemos dizer, com alívio, que tudo deu certo, e esperar que a literatura brasileira, ou pensando mais amplo, a imagem do Brasil se beneficie com isso.
Isso, é claro, só saberemos adiante ou nem saberemos ao certo, pois esses avanços de fazem muito lentamente, num processo cumulativo. Certo, neste momento, é que o Salon acabou ontem e acabamos uma parte do serviço. Hoje (escrevo na terça-feira) tivemos um rescaldo, com dez autores se apresentando na Sorbonne para estudantes, professores e brasilianistas, uma mesa após a outra, de manhã e à tarde. Uma maratona literária puxada, e o público resistindo heroicamente até o fim. Haverá ainda alguns encontros periféricos, autores estão viajando para outras cidades. E então a nossa literatura voltará a cochilar nas prateleiras das livrarias, com reduzida presença em meio a uma oferta internacional avassaladora, e notoriedade bem menor do que gostaríamos.
Para Clarice Lispector, porém, nenhum cochilo. Sua luz cintila cada vez mais intensa. No Salon, sua bela foto ocupava espaço favorecido no estande da Editions des Femmes, que publica seus livros e transformou seus textos em CDs com a voz das atrizes mais famosas da França. Presente seu filho Paulo Valente, foi lançado um novo livro, contendo a correspondência entre as três irmãs Lispector, Clarice, Tânia e Elisa.
Mais surpreendente, porém, foi o sucesso dela fora do Salon. Como parte da série de encontros literários “Exils”, aconteceu ontem à noite, no centralíssimo Théâtre de l’Odeon uma leitura de textos clariceanos feita pela atriz Helène Fillières, com a presença de outra Helène, a Cixious, professora, escritora, e grande divulgadora de Clarice.
Eu não pude ir porque era dia da minha mesa no Salon, e uma hora e meia de atraso comeu o tempo de que dispunha para alcançar o evento. Mas quem foi me contou que o teatro estava lotado, tudo cheio, plateia e galerias apinhadas, multidão trazida e mantida em estado de encantamento pelas palavras da nossa escritora maior.