Cinco perguntas para Marina Colasanti Entre os dias 30 de setembro e 03 de outubro de 2014, a cidade de Lorena, em São Paulo, recebeu...
Cinco perguntas para Marina Colasanti
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1) Em sua palestra ocorrida em Lorena, na abertura da II Jornada Literária do Vale Histórico, a senhora demonstrou sua preocupação quanto à moderna tendência de suavização dos elementos constituintes e dos nais das histórias infantis clássicas, conforme a senhora disse, uma espécie de higienização dos contos infantis. Entretanto, tais histórias são fruto de uma longa tradição oral, o que pressupõe uma autoria coletiva e favoreceu, em alguns casos, como o das Mil e Uma Noites, a chance de outras versões para uma mesma história. O que desautorizaria a sociedade contemporânea de, seguindo o pensamento de sua própria época, promover os ajustes que julgar necessários aos contos dessa natureza?
MARINA: A pergunta envolve duas questões diferentes.
Uma é o hábito, nas escolas, de pedir às crianças para criarem finais diferentes para histórias já existentes, como meio de implementar a imaginação e a escrita. Com isso, entretanto, transmite-se à criança a ideia de que qualquer final vale, quando a verdade é que um conto é uma construção consequente em que o final é construído paulatinamente desde o início.
Outra é reescritura dos contos clássicos. Reescrevê-los é perfeitamente legítimo — o próprio Andersen reescreveu muitos contos do folclore, assim como Monteiro Lobato. Não foi a isso que me referi na palestra. E sim à modificação “higienizante”promovida em prol do politicamente correto. O politicamente correto pode ser muito perigoso, porque não representa a voz popular, mas a de lideranças que querem impor sua própria moral. Lembro que, durante o fascismo, na Itália, estátuas clássicas tiveram as partes sexuais cobertas com pudicas folhas de hera, e na China, durante a revolução cultural, inúmeras e preciosíssimas obras de arte foram destruídas.
2) Parte de sua obra é dedicada a um diálogo com o universo mítico dos contos de fada. Os mitos sobrevivem a um mundo sem sombras, assepsiado pela luz elétrica?
MC: Os mitos não precisam da sombra exterior para viver, e sim daquela que se aninha no interior dos seres humanos, e que os distingue das outras espécies vivas. Esta continua inalterada.
3) Em uma de suas falas, a senhora disse que, ao contrário de toda sua obra, que se pauta na racionalidade, os contos de fada não nascem da técnica, antes são fruto do livre fluxo do inconsciente. Ainda que seja uma experiência pessoal e que, segundo a senhora, não tenha qualquer relação com mágica, essa parece ser uma prática restrita a poucos. Na sua visão, a produção de contos de fadas é menos democrática do que a sua leitura?
MC: A escrita é democrática, porque aberta a todos. Todos podem escrever. Assim como todos podem ler. Para ser escritor, entretanto, exige- se um talento específico. A arte é sempre mais acessível na fruição do que na realização. Mas eu não usaria para isso a palavra “democracia”, que tem outro perfil.
4) Fala-se muito no papel da literatura como fator de transformação da sociedade. Em geral, os exemplos de seu poder de intervenção na realidade tomam por base inevitavelmente a educação, o que determina uma relação mediata, sempre sujeita ao tempo. A senhora consegue enxergar alguma possibilidade de ela intervir de forma mais imediata nos problemas que nos cercam, em áreas como política e/ou economia, por exemplo?
MC: Não sei exatamente o que você quer dizer por “imediata”. A leitura literária intervém na formação das pessoas, a formação das pessoas vai determinar suas escolhas, e as escolhas das pessoas determinam a evolução do mundo ao seu redor.
5) Jornalismo e Literatura são duas áreas bastante íntimas e, não raro, os limites entre elas se confundem, dividindo a opinião de especialistas. No entanto, um ponto tênue e, ao mesmo tempo, incontornável, se coloca como elemento de nidor: a verdade factual. É possível mensurar o quanto da Marina jornalista se encontra na Marina escritora?
MC: Não sei com que metro você mediria isso, nem a que tipo de trabalho você se refere. Se está falando de crônica, as duas atividades se cruzam, porque a crônica como gênero é exatamente o cruzamento de literatura e jornalismo. Se está se referindo à poesia ou ao conto ou aos contos de fadas, uma atividade é completamente ausente na outra. O fato de ter um bom texto não significa que eu esteja fazendo literatura quando, por exemplo, fizer uma reportagem ou uma entrevista.Entrevista concedida em Abril/2015
Foto: Teresa Cipriano
Fonte: Revista Atrium
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