Marina Manda Lembranças S ábado, dia 12, a família de Marília Pêra colocou um anúncio no jornal, agradecendo as manifestações de carin...
Marina Manda Lembranças
No mesmo sábado, no suplemento Ela do mesmo jornal, página dupla para os animais de estimação de arquitetos conhecidos . Cada dono explicando a personalidade do seu cão ou gato, o lugar preferido para dormir, se gosta de esporte ou prefere um cochilo, se late ou ronca ou afia as unhas. E em cada descrição lê-se uma declaração de amor.
Muito nova, para o Brasil, essa paixão. Em Paris, na Brasserie Lipp, um cartaz discreto pede aos clientes que não alimentem seus cães nos pratos da casa - atenção, não é com os pratos, pois volta e meia vê-se alguém dando a um cão bocadinhos da sua comida, é nos, ou seja na louça que vem à mesa e que servirá depois a outros clientes . No Brasil, apesar da nova paixão, uma lei proíbe a presença de cães em lojas e sobretudo em restaurantes. São os últimos alentos da tradição nem tão antiga pela qual cachorro era bicho de fazenda ou sítio e, de preferência, sem direito a entrar na casa.
Hoje, temos 52,2 milhões de cães e 22,1 milhões de gatos. A mudança foi rápida e avassaladora.
Desço para levar minha yorkshire ao passeio costumeiro- sim, também tenho cachorro - e me deparo com três buldogues franceses presos a um poste pelas coleiras amarradas, e com um outro cão de raça indefinível ou sem raça igualmente preso. Indignação! Penso que o passeador de cães deixou os bichinhos atados e foi fazer um lanche ou, quem sabe, almoçar, penso que a falta de caráter está vitimando também os animais. Depois refaço meu raciocínio, parece mais provável que o passeador de cães tenha atado esses quatro clientes para poder subir no meu prédio em busca de um quinto. Passear cães virou uma profissão rendosa, além de saudável. Em algum momento teremos matérias na mídia sobre esse novo tipo de apoio doméstico e saberemos, talvez, qual a proporção de passeadores para 52,2 milhões de cães.
Taí um funcionário de que minha tia nunca precisou. Tinha 14 cães, quando cheguei ao Brasil e fomos morar temporariamente com ela. Todos pequineses, entremeados por três viralatas. Mas ela vivia no Parque Lage, rodeada de uma reserva de Mata Atlântica, era estrangeira, e uma diva - ontem como hoje ficava bem a uma diva carregar seu cachorrinho nas entrevistas e nas viagens. Para os cães havia almofadas espalhadas debaixo das arcadas da mansão, mas a pequinesa albina, a favorita, residia no colo da dona.
Sempre houve cães em minha família, menos um breve parêntesis habitado por gatos. Mas se antes sentia um ligeiro constrangimento toda vez que um cachorro de minha propriedade farejava pé ou perna de algum visitante ou conhecido encontrado na rua, com a nova moda a relação mudou. Agora, quando a minha york fareja alguém, o escolhido abre um sorriso, se inclina para uma carícia e infalivelmente diz: "Está sentindo o cheiro do meu".