Marina Manda Lembranças H oje vou falar de coisas importantes. Faço o aviso para que o eventual leitor não tome por leve um tema que...
Marina Manda Lembranças
Um novo estudo científico acaba de revelar que os contos de fada têm sua origem na Idade do Bronze. Confesso minha ignorância, não sei bem o que seja filogenética. Sei somente que é utilizada pela biologia para estudar a evolução de espécies relacionadas entre si embora diferentes, comparando-as ao longo do seu percurso, até chegar a um ancestral comum. Pois foi esta a ferramenta de que lançaram mão o antopólogo Jamie Tehrani, da Universidade de Durham, no Reino Unido, e a folclorista Sara Graça da Silva, da Universidade nova de Lisboa. Analisando e comparando a estrutura narrativa e as palavras utilizadas em 275 contos ainda em circulação entre populações de 50 países que falam línguas de origem indo-européia, chegaram à conclusão de que o mais antigo deles tem 6 mil anos.
Para os estudiosos dos contos de fada não chega a ser uma novidade. Já no século passado, em seu livro "Origens históricas dos contos de fada", o russo Vladimir Propp situava o nascimento dessas narrativas entre as comunidades primitivas da pré-história, inicialmente como parte dos primeiros rituais e dos mitos que os acompanhavam, e em seguida circulando de boca em boca, autônomas.
A nova afirmação, entretanto, chega sob a proteção da ciência. Narrativas orais não respeitam fronteiras, e ao longo dos séculos os contos maravilhosos foram passando de um país a outro, obedecendo à proximidade e ao relacionamento das linguagens, levados por viajantes, missionários, mercantes e guerreiros. Percorrer ao contrário esse caminho, verificando as modificações que cada narrativa sofria no percurso, permitiu a Jamie e Sara montar as árvores genealógicas, ou filogenéticas, de 76 dos 275 contos iniciais.
Diz Sara: "São escritas que não costumam ser vistas como literatura erudita, mas constituem fontes de informação preciosa sobre a evolução cultural dos povos, o comportamento humano e as tomadas de decisão. Eram contos para adultos, mais sangrentos e eróticos do que suas versões contemporâneas."
Bastaria isso para justificar a minha afirmação inicial. Tudo isso é muito importante. Mais importante, porém, é algo que não foi dito, e que pode ter escapado até aos pesquisadores. Ou seja: a conclusão desse estudo comprova que os séculos não incidem sobre o inconsciente humano. Ele se mantém inalterado, pelo menos, desde a Idade do Bronze.
Mudaram as palavras, mudaram os adereços das histórias, a ambientação, mas o seu eixo central permanece igual. E, em plena pós modernidade, continuamos não só contando esses mesmos contos, como adaptando-os aos novos costumes e aos novos suportes tecnológicos.
O inconsciente se manifesta através de símbolos. A psicanálise já havia nos mostrado como os contos de fada são narrativas simbólicas que expressam vivências e sentimentos comuns a toda a espécie humana. Se essas mesmas histórias simbólicas encontram hoje plena aceitação, é sinal que os antigos símbolos continuam sendo "lidos" pelo inconsciente e dialogando com ele. A passagem do tempo, as mudanças geográficas, de linguagem e de hábitos não alteraram o valor dos símbolos e o seu significado. Ontem como hoje, são eles a voz do nosso inconsciente mais profundo, imutável, e comum a todos os humanos.