Marina Manda Lembranças C oisa mais difícil é escrever como se o país não estivesse de pernas para o ar. Mas igualmente difícil é e...
Marina Manda Lembranças
Tentarei, então, assunto leve, embora a alma pesada.
Há coisas que não sabemos fazer. Não me refiro a feitos individuais, mas coletivos, coisas de país, em que nunca damos certo. Melhor seria desistir. A desistência, porém, implica no reconhecimento da incapacidade, e preferimos insistir como se não percebêssemos o equívoco.
Gramados, por exemplo. Não temos, como os ingleses, talento para gramados. Os nossos, seja pelo clima, pelo solo ou pelos poucos cuidados, são fenômenos eventuais. Ou seja, gramados durante algumas semanas, transformam-se progressivamente em pastos, logo em mato, e como mato permanecem longamente até serem, por fim, novamente podados. Um ciclo aparentemente inevitável.
Tampouco temos talento para flores. Sendo árvores que florescem, como as quaresmeiras ou as paineiras, conseguimos algum êxito; plantamos a árvore e nos esquecemos da sua presença até o momento em que ela, bem comportada e obediente às leis da natureza, faz seu serviço cobrindo-se de cor. Já os arbustos floridos não são o nosso forte. Exigem poda anual, trato, cuidados. Sempre penso que bonito seria o Aterro se perfumado de gardênias ou florido de azaléias e camélias, extensões inteiras de pétalas e perfumes como as de algumas villas do Lago de Como. Houve um tempo em que arbustos de flor enfeitavam o Alto da Tijuca, mas esse tempo gentil acabou, como acabou o azul de Petrópolis que no passado foi chamada A Cidade das Hortênsias.
Nem me atrevo a falar em canteiros. Vamos à Europa e nos encantamos com as flores nos canteiros das cidades ou ao redor dos castelos ou nos vasos suspensos das cidades medievais, às vezes em pleno inverno. São flores mais delicadas que bebês. Suas sementes não chegaram ali com o vento ou trazidas nas fezes dos pássaros. Elas não crescem por acaso. As mudas criadas em estufas são replantadas constantemente, as prefeituras investem recursos e mobilizam jardineiros porque sabem que os cidadãos só reconhecem sua cidade se florida. Nós não plantamos flores nem nas varandas ou coberturas pelas quais pagamos tão caro, que dizer nos espaços públicos. Se um canteiro se atreve a aparecer, podemos apostar que terá breve duração. E nunca se trata de flores que exijam trabalho. No máximo investimos em gravatás ou antúrios, folhas grandes, flores poucas, para as quais água basta.
Uma quase exceção surge há algum tempo nas ruas da Zona Sul: as árvores floridas de orquídeas. Mas orquídeas são quase parasitas, nada pedem além de serem presas nos troncos em vez de serem jogadas no lixo.
Outra coisa com que não conseguimos nos acertar é espelho d'água. Os únicos que se mantém impecáveis são os de Brasília, símbolos da lisura e da transparência que... deixa prá lá. Mas os arquitetos insistem, e os espelhos d'água, às vezes com cascatinha, continuam saindo dos projetos para a realidade. Uma realidade em que o espelho brilhante da inauguração vai aos poucos ficando turvo, abrigando coisas flutuantes, juntando limo ao fundo. Seu destino inevitável será tornar-se spa de mendigo ou morrer de sede mostrando seu leito seco que nem rio nordestino.