Marina Manda Lembranças C reio que haviam jantado, ou pelo menos comido alguma coisa, porque havia pratos pequenos à sua frente. D...
Depois, eu saberia que uma era psicóloga, a outra da área de filosofia. Mas isso foi depois, quando um gol olímpico que ecoou em toda a redondeza fez com que me dirigisse a elas. Antes, eu apenas as olhava discretamente, duas mulheres vestidas sem alarde, empenhadas nos seus assuntos.
Meia idade, sem retoques. Um bem estar entre as duas. E um interesse recíproco na conversa, que as levava a projetar o tronco à frente para melhor ouvir ou exprimir-se. Não tinham pressa. A garrafa era pequena, mas acabaria quando fossem se levantar, porque pequenos eram os goles.
Era bonito o que eu via. Um encontro de amizade acontecendo em absoluta mansidão. Conheciam-se há tempo, era evidente. Tanta conversa não havia começado ali, era meada antiga sempre retomada. E tudo era íntimo.
Tenho a impressão de que o encontro entre homens ocorre de outra maneira, seguindo outras normas. Quando os olho, me parecem mais ruidosos e mais defendidos. Não percebo entrega. Nem costumam beber em pequenos goles. Sei, porque alguns me contaram, que o limite para o que se deve contar se expande com o álcool, permitindo dizer depois que foi tudo conversa de bêbado.
Não conheço homens que tenham um melhor amigo, relação tão funda como têm as mulheres.
Quando fiz bodas de ouro com minha amiga, marcamos em um restaurante, pedimos espumante. Não teria sido a mesma coisa, fosse em casa. A casa não é território neutro, pertence a uma ou a outra, e uma ou outra é responsável não só pela temperatura do espumante como pela luz, pelo ambiente que se respira, pelo que o ambiente diz. A outra, não importa com quanta intimidade, é hóspede. A casa é um ninho de vivências que contaminam o dono.
Já o bar ou o restaurante não pertencem a ninguém. Num encontro, cada um pode se concentrar inteiramente no outro, nada ao redor tem ganchos.
Vejo muitos encontros de mulheres nas lanchonetes dos shoppings. Mas não parecem verdadeiramente encontros. Mais, diria, uma pausa na batalha das compras ou no passeio pelo bosque das vitrinas. O shopping não permite a introspecção, foi concebido para isso, para que ninguém fique parado ou concentrado, mas veja e deseje, e mais veja e mais deseje, até realizar o impulso e comprar. Sentadas tomando alguma coisa, duas mulheres num shopping estão apenas escapando momentaneamente ao destino que o marketing programou para elas.
As duas amigas do restaurante não haviam ido até lá para nenhuma outra coisa que não fosse puxar o fio da meada, e dar novos pontos. Só depois pude perceber que falavam da sua vida profissional, e o faziam com a mesma devoção com que tantas mulheres do passado, impedidas de ter profissão, faziam mexericos.
E agora mesmo, enquanto escrevo esta crônica no computador, entrou no meu e-mail a mensagem de um amigo querido, o escritor Márcio Vassallo. Fala de trabalho. No último parágrafo me propõe um encontro, tarde dessas, no bar de uma livraria que ambos frequentamos, só para tomar um café ou um sorvete e botar a vida em dia. É uma coincidência. Mas como coincidências não existem, prefiro crer que o convite foi inconscientemente gerado pelo que eu acabava de escrever: a beleza do encontro entre amigos.