Marina Manda Lembranças A mo teu nome, teu rosto, teu corpo, teu coração, tua voz, teus atos [...] Estaremos então um junto ao outr...
Marina Manda Lembranças
Cartas de amor são sempre bonitas. E mais duradouras que o amor que as motivou. Dependendo das personagens, viram livro. Dependendo do tempo transcorrido, tornam-se história.
Na França, acabam de ser publicadas as cartas apaixonadas escritas por François Mitterrand à sua jovem amante Anne Pingeot ao longo de 33 anos. São mais de 1200.
Lembro claramente quando em 1996, com a morte de Mitterrand, o mundo tomou conhecimento desse amor. Vimos as fotos de Anne, comparecendo ao enterro abraçada a Mazarine, filha de ambos. E soubemos que sua presença havia sido autorizada por Danielle, a esposa que ele nunca quis deixar, e que mais tarde declarou:
“Aceitei a filha de meu marido e hoje recebo mensagens do mundo inteiro de filhos angustiados que me dizem: - ‘Obrigado por ter aberto um caminho. Meu pai vai morrer, mas eu não poderei ir ao enterro porque a mulher dele não aceita’ (…). Espero que as pessoas sejam generosas e amplas para compreender e amar seus parceiros em suas dúvidas, fragilidades, divisões e pequenas paixões."
A de Mitterrand e Anne não era uma pequena paixão.
"Eu te amarei até o meu próprio fim e, se você tem razão para acreditar em Deus, até o fim dos tempos" , escreveu ele.
Paixão tão difícil quanto intensa. Nas poucas cartas de Anne incluídas no livro, amor e sofrimento se entrecruzam.
"Se o "amor livre" me priva de casa, de filhos, de esperança, de calma, de segurança, de dignidade, deve ao menos... ficar livre. [....] Haverá sempre uma intervenção, uma eleição, ou um congresso no ar. Para mim ficam o cansaço e a inquietação cotidiana. Se você me ama , deve tentar me fazer feliz. E para me fazer feliz você deve se apagar. [...] Se eu te magoo é porque a única maneira de se livrar de alguém que nos segura os pulsos é mordendo. Tente entender. Estamos lutando cada um por sua vida, e já que não podemos lutar juntos, eu te peço para me deixar escolher".
Dez anos e muito amor depois, as tentativas de separação continuavam. E ele escrevia: "Anne, minha Anne querida, [...] te fiz sofrer demais por não vivermos juntos? E eu que não suporto mais ser mandado embora por você! Por ter me amado demais, você não pode mais me amar? [...] Não me iludo. Esta crise se junta a outras e eu compreendo teu cansaço. É duro demais estar sozinha enfrentando tantas coisas importantes. Não tenho o que dizer para me justificar. [...] Eu não soube amar você que me ama tanto. Minha Anne, Anne, minha Anne [ ...] eu te amarei até a morte."
Penso em outro livro de cartas de amor, as 304 que Simone de Beauvoir escreveu ao longo de 17 anos para seu amante, o escritor americano Nelson Algren. Como Mitterrand, Simone não queria desfazer sua parceria histórica com Sartre. E como Anne, Algren se ressentia disso.
As cartas de Algren não foram liberadas para o livro, mas ela escreve: " Nelson, meu amor. Já começou: sinto sua falta, espero por você, espero pelo dia abençoado em que você me envolverá de novo em seus braços amantes e fortes. [...] Eu poderia renunciar às viagens, a todas as distrações, poderia abandonar meus amigos e deixar as doçuras de Paris para ficar sempre com você, mas não poderia viver unicamente de felicidade e de amor, não poderia renunciar a escrever e trabalhar no único lugar do mundo onde meus livros e meu trabalho têm um sentido".