Marina Manda Lembranças P ombal é uma cidade portuguesa de apenas 11mil habitantes, todos eles amáveis e simpáticos, assim me pareceu. E...
Marina Manda Lembranças
Tudo é manso em Pombal, à sombra do severo castelo do século XI que cochila no alto do monte. As ruas são absolutamente limpas, as pessoas são absolutamente cordiais, as cegonhas chegaram pontualmente da África e reassumiram seus ninhos, o sino da matriz toca a cada hora e marca a meia hora com um repique, as tílias estão em flor.
Há quantos anos eu não via uma árvore de tília? Quando criança, aprendi que as folhas das tílias são o alimento dos bichos da seda, e soube no paladar a delícia dos frutos. Mas tílias em flor, nunca havia visto. Flores de leve amarelo, em buquê pendente, de um perfume tão intenso que nos chega à distância de um quarteirão. Descobri em Pombal que as flores de tília são ricas em néctar, porque em cada flor havia uma abelha atarefada e as flores eram tantas.
O Encontro durou três dias, sob a batuta impecável de Sonia Fernandes. À noite havia contação de histórias ao ar livre, no jardim diante do Teatro- Cine - sim, há um Teatro em Pombal, e belo e espaçoso e atuante- . Fazia frio, o calor do verão só se manifestava de dia, mas o jardim estava cheio. Vi Inno Sorsy , nascida na fronteira de Gana e Togo, contar dois contos com tradução simultânea, e tão afinada com seu tradutor, o performer poético Paulo Condessa, que foi como se contasse frente ao espelho. E vi Bru Junça , cantar/contar com sua voz de Évora enquanto desdobrava livros feitos `mão.
Havia conferências à tarde, inclusive a minha. Ouvi o japonês Katsumi Kamagata contar a genese de alguns dos seus trabalhos em um inglês tão delicado quanto seus livros. Vi meu amigo Daniel Goldin, diretor da Biblioteca Vasconcelos, da cidade do México, mostrar jovens que ali se reúnem através das redes sociais para treinar street dance japonês diante das vidraças que lhes servem de espelho.
Mas de manhã havia oficinas e, não sendo eu oficineira, ia andar a esmo para farejar a cidade. Fui ao supermercado, onde melhor se sabe o que as pessoas comem e compram, e o quanto pagam. Fui à melhor papelaria. Fui à estupefaciente "loja do chinês", onde tudo se encontra e tudo é mais barato que em outro lugar. Fui com meu amigo Maurício Leite à Biblioteca, e que biblioteca ! Subi infindáveis escadas até o castelo. E sentei ao sol no bar da praça para tomar sorvete. Os carros param para o pedestre passar, não há engarrafamentos nem multidões apressadas nas ruas, não há perigo além dos germes. O rio da vida flui apaziguado.
Dia 10, último dia do Encontro, era a data nacional portuguesa. Pequenas arquibancadas haviam sido montadas na praça. E à noite, fomos assistir às Marchas Populares.
Desfilam, com figurinos, adereços e uma coreografia centrada exclusivamente em pés e passos, os cinco distritos da cidade. Cada grupo tem sua banda e sua própria música, embora a entrada de cada um seja marcada pela música comum à festa. E cada uma tem seu tema. Mas o que mais surpreendeu e encantou minha alma brasileira foi a singeleza quase rural que marcava a festa. Não havia busca visível de glamour e, embora as mulheres estivessem ligeiramente maquiladas, nenhum apelo erótico as perpassava. Havia pessoas de todas as idades e todas se comportavam do mesmo modo, desfilando em representação do seu distrito e não em exibição de si.
Voltei com a alma lavada. Por pouco tempo, porém. Chegando, fui recebida com um tiroteio intenso no Pavão-Pavãozinho.