Marina Manda Lembranças N ão me canso de gostar da Feira Internacional de Livros de Guadalajara. Participei dela este ano pela terceira ...
Marina Manda Lembranças
Madrid era a convidada de honra. E que belo pavilhão apresentou. Por fora, um enorme tubo preto, como um poço às avessas ou uma chaminé, tênue luz correndo na base, tipologia branca. Por dentro, um anfiteatro dramaticamente branco, luz intensa jorrando de uma clarabóia ao alto, uma plaza de toros, um teatro, um ambiente para shows, um nicho de saber.
Assisti a três conferências. A primeira foi a de Alberto Manguel. Havia recebido o Premio Formentor de las Letras, e abria o Encontro de Promotores de Leitura. O título da sua conferência: "Porque ler os clássicos". O clássicos aos quais se referia eram os gregos. Falou com absoluta intimidade de Seneca, discorreu longamente sobre "A República "esmiuçando o diálogo entre Sócrates e Platão. Lia pouco, olhava muito o auditório, e tive a certeza de que aquele era só um diminuto fragmento do tanto que sabia. Talvez, porém, estivesse acima do público. Percebi várias pessoas debruçadas sobre o celular e, ao abrir para perguntas, a primeira foi: "qual é a pronuncia correta do seu sobrenome?".
A segunda palestra foi a do filósofo espanhol Fernando Savater, autor de mais de 50 obras, entre ensaios, narrativas e teatro. "O segredo da felicidade é ter gostos simples e uma mente complexa; o problema é que com frequência a mente é simples e os gostos são complexos" disse certa vez este autor de mais de 50 obras. Mas em Guadalajara estava afônico, falava com dificuldade e igualmente difícil era compreender o que dizia. Foi salvo das perguntas do auditório pela chegada de um grupo de mariachis devidamente convocado pela organização da Feira.
Assisti a uma palestra mais, de Paul Auster. Inaugurava o Salão Literário, ao mesmo tempo em que lançava seu mais recente livro "4 3 2 1 ". Confesso envergonhada, nunca li nada dele, nem "A trilogia de Nova Iorque ", nem "O livro das ilusões", nada. Tampouco vi os filmes de que foi roteirista em sua fase cinematográfica. Mas a palestra foi excelente e me animou a encarar as 900 páginas desse seu novo livro numérico ( ânimo que não sei se manterei). Auster fala pausadamente, claro no que diz e no que pensa, olhos baixos. Falou da sua vida pessoal, o começo como poeta mal sucedido, a estadia na França, a descoberta do romance como seu melhor gênero. E contou a gênese desse último livro, em que uma mesma vida é contada de quatro maneiras diferentes que se entrecruzam traçando um amplo painel da vida americana. Disse que estava tomando café da manhã, absolutamente distraído, quando, do nada, teve a idéia dessa quádrupla biografia. "Do nada" foi como ele disse, mas certamente a centelha se originou na própria memória do autor, já que ele e seu personagem, Ferguson, nasceram no mesmo ano, 1947, e no mesmo lugar, New Jersey.
Uma Feira importante como essa é ponto de encontro de amigos de longa data e de distintos países, cuja amizade foi tecida mundo afora, de encontro em encontro. Estive com vários deles, tão fraternos como se vivessemos na mesma cidade. Dois não consegui ver, o paranaense Miguel Sanchez Neto, e o português José Luis Peixoto.