Marina Manda Lembranças T oda noite acompanho as declarações nacionais nos vídeos enviados ao programa/projeto O Brasil Que Eu Quero ....
Marina Manda Lembranças
Onde estão os outros? Aqueles que, ao lado das pessoas de boas intenções, constroem o Brasil que temos?
O cidadão da pequena cidade de um interior perdido no meio desse país enorme, manda seu vídeo tirado diante de uma obra inacabada — mais uma — e diz que quer um Brasil de obras terminadas e bom aproveitamento do dinheiro público.
Mas vários se beneficiaram com aquela obra, mesmo que tenha ficado com pouco mais que as fundações. Houve quem levasse propina para facilitar uma licitação, quem vendesse material superfaturado, quem lavasse o dinheiro sujo da transação, houve quem ganhasse votos por propor aquela obra.
Onde estão suas vozes surdas, que a gente não ouve? Falam baixo mas falam, nos escritórios onde as transações se fecham, nos restaurantes onde dinheiros são entregues, nos aeroportos onde encontros são marcados.
E os que murmuram não querem obras acabadas e lícitas, não querem o bom aproveitamento do dinheiro público. Querem manter o bom aproveitamento privado do dinheiro público.
Um pescador no seu barco grava o vídeo mostrando a água imunda ao redor e suspende a rede cheia de detritos. Pede um Brasil que respeite a natureza e que a proteja.
Onde estão os que jogaram os detritos? Onde estão aqueles que colaboram largando um papel aqui, um entulho acolá, um sofá imprestável na lagoa, sacos plásticos em toda parte? Não gravaram nenhum vídeo dizendo, “o Brasil que eu quero é esse mesmo, de liberdade individual sem ligar pró coletivo, um país onde eu posso jogar papel no chão porque pago imposto pro gari limpar.”
Na comunidade, a mãe com filho no colo grava seu vídeo diante de uma vala a céu aberto e diz que quer um país com saneamento básico para todos e sobretudo para as crianças.
Cadê aqueles tantos que ligam o esgoto da sua casa na rede pluvial, porque sai mais barato que fazer uma obra ligando esgoto a esgoto? Ou os que jogam o esgoto da casa de campo no riacho que passa pelos fundos? Esses são espertos, não contam sua façanha nem para o vizinho, não postam no Face fotos de canos, mas desejam, desejam muito que a vigilância não bata à sua porta e que tudo continue como está nesse Brasil que é nosso.
Não estava nos vídeos mas poderia estar, a reportagem do Fantástico revelando como se faz um gato chique para driblar o contador de energia. Os funcionários disseram estar no ramo faz tempo, atuam em casas de classe média e classe média alta, belas casas de condomínio. Para compensar tanto miau, os demais — ou seja nós — pagamos 15% a mais nas nossas contas de luz.
Seria apenas justo que os proprietários dessas casas mandassem vídeos dizendo que o Brasil que eles querem é esse mesmo, preservando seu direito de ter o bichano de estimação. E os funcionários que fazem a instalação poderiam aparecer ao fundo, talvez batendo palmas.
A maioria dos vídeos pede políticos honestos e o fim da corrupção. Se todos os políticos e todos os corruptos e todos os corruptores e todos os doleiros mandassem vídeos defendendo o Brasil do seu negócio, teríamos uma enxurrada pior que a de Mariana.
Olhando os vídeos inseridos cada noite no Jornal Nacional mal se percebe, mas o que estamos assistindo é a luta, talvez decisiva, entre o Brasil que nós queremos e o Brasil que eles querem, entre os que expressam em voz alta seu querer, e aqueles que, calados, realizam o seu.