Marina Manda Lembranças M eio dia, semana passada, quatro estudantes fazem um piquenique no Parque Lage, perto da gruta. São assaltados....
Marina Manda Lembranças
Criança, brinquei muito naquela gruta artificial, cheia de estalactites, passagens, escuridão e, certamente, insetos. Uma aguinha, onde tantas vezes molhei os pés, corria em curvas de riacho pelo chão.
Grutas eram um must dos jardins românticos, algo que não podia faltar. E naquele jardim, concebido ainda no séc. XIX pelo paisagista John Tyndale, nada faltou. Além da gruta, havia a torre como parte da ruína do castelo, a grande escadaria, o aquário dentro de uma caverna encimada por uma estátua de São Jorge em luta com o dragão, e no meio de um lago coberto de nenúfares a ilha com seu pavilhão chinês. Quando na década de 20 meu tio-avô Henrique Lage conseguiu comprar a propriedade que havia sido da sua família, mandou reformar parte do jardim mas preservou todos os tesouros românticos.
Um outro tesouro, de natureza diferente, havia sido preservado. Debaixo da elevação que depois abrigou a quadra de tênis — um must dos anos 20 — ficava uma espécie de gruta, verdadeira, onde se mantinham ou se castigavam escravos do engenho de açúcar ali existente no séc. XVI. Existe até hoje uma estrutura de tanque com água corrente, que servia aos escravos para lavar roupas e corpo. Mas as argolas e as correntes cravadas nas paredes daquele cômodo úmido e escuro foram retiradas por ordem da minha tia-avó Gabriella, como ela própria me contou ainda horrorizada com aquela visão de escravidão. Num tempo em que pouco ou nenhum valor se dava aos bens histórico, foram jogados no lixo.
Vez ou outra, uma companhia de cinema pedia autorização para filmar no parque. É de um desses momentos a foto que acompanha esta crônica. Foi pouco depois de termos chegado ao Rio, pode ter sido ainda em 1948, e se naquele momento eu soube o nome da companhia que pretendia, justamente, filmar algumas cenas nas grutas artificiais, há muito o esqueci.
Curiosa, acompanhei a equipe até o lugar. Queriam tirar fotos para testar o efeito das estalactites com iluminação. Espalharam cabos e holofotes, tiraram algumas. E me pediram para posar. Fiz a pose que mandaram, séria como mandaram. Disseram entusiasmados que iam me querer no filme, e acreditei. Durante uns dias pensei que viraria atriz. O filme acabou não sendo feito, mas me deram minhas duas fotos de presente.
Outro filme em potencial, rodado no Parque Lage foi "Jangada". Procurei agora no google, não achei, nem poderia porque se bem me lembro o filme foi terminado — ou quase — mas, destruído num incêndio, nunca chegou a ser visto.
Isso de "Jangada" foi bem mais tarde. Meu irmão Arduino e eu havíamos construído uma cabana, para ser nossa casa nas brincadeiras de Tarzan. Éramos exímios construtores desde bem pequenos, a exemplo dos heróis dos nossos livros de aventuras gostávamos de construir refúgios selváticos, sem que nos permitíssemos usar nada além do que a natureza nos fornecia. Essa explicação é necessária para que se entenda porque o diretor decidiu usar a nossa cabana para o filme. Tiraram de onde estava, puseram em lugar mais adequado para a história, e nos causaram duplo sentimento: de orgulho e de usurpação. Durante algum tempo imaginamos como seria ver a nossa cabana num filme. Depois desistimos. Só muito depois soubemos que o filme havia se desfeito em cinzas.