Marina Manda Lembranças N ão sei, enquanto escrevo, se a vida, a pequena vida de Arthur foi salva, em que condições, ou se foi perdida. ...
Marina Manda Lembranças
Vou por itens, extraídos da matéria feita pelo O Globo sobre a luta para salvar o bebê.
- Claudinéia dos Santos, a mãe, que todos conhecem como Claudia, saiu de casa na última sexta-feira para ir ao trabalho e comprar o carrinho do bebê que esperava. Claudia mora na Favela do Lixão.
Temos aí duas palavras e dois elementos: Favela e Lixão. Em pleno século XXI nenhuma das duas deveria ser tolerada. Favelas - que no Rio crescem sem parar- retratam o abandono de uma parte considerável da população, entregue à sua própria sorte e liberada para exercê-la. São a urbanização possível em países de pouco governo. E Lixão é a maneira de acumular resíduos como se acumulam cidadãos, ao deus dará.
- Claudia havia comprado o carrinho quando uma bala entrou no lado esquerdo do seu quadril e atingiu o útero.
A bala foi originada por um tiroteio. Cidadãos de cidades civilizadas não esperam ser atingidos por balas, sejam achadas ou perdidas. Mas aqui mesmo em Ipanema, onde moro, essa tornou-se uma possibilidade, graças aos tiroteios constantes.
- Claudia e o bebê foram levados para o Hospital Moacyr do Carmo, em Caxias. Foi feita a cesariana. Mas, sem UTI neonatal, o Hospital não tinha condições de manter Arthur vivo por muito tempo. Enquanto mãe e filho eram atendidos, a chefe da equipe médica, Polliny Batista Pereira, tentava desesperadamente falar com alguma autoridade do Corpo de Bombeiros.
Como disse? Corpo de Bombeiros?! Sim, porque a Secretaria Estadual de Saúde tinha três ambulâncias iguais para fazer transporte de bebês, mas o serviço foi suspenso no ano passado. Agora, só quem tem esse tipo especial de ambulância é o Corpo de Bombeiros. E ainda assim, de duas, só uma está funcionando. Bebês com problemas, no estado, tem mais chance de morrer do que de viver.
-Arthur nasceu cheio de feridas. O médico Luiz Miller, especializado em cirurgia geral e oncológica, passava pela sala de cirurgia e entrou em ação.
Podemos deduzir que o Hospital Moacyr do Carmo não tem cirurgião pediátrico, ou se tem estava ausente.
- Foi necessário drenar os dois pulmões do bebê: um deles, perfurado pela bala; o outro porque havia ar fora do pulmão. Mas só havia um dreno torácico. A equipe de enfermagem percorreu o hospital todo procurando outro. Não foi achado.
A equipe médica teve que improvisar, usar um tubo que se utiliza para a traquéia. Que mais tarde, não sendo apropriado, entupiu. Em todo o hospital só havia um dreno torácico!
- A ambulância do Corpo de Bombeiros chegou, duas horas depois de ter sido solicitada, para transferir Arthur para o Hospital Adão Pereira Nunes, em Saracuruna, que tem UTI neonatal. Antes de ir, porém, Arthur passou por uma tomografia torácica e craniana. O tomógrafo do Adão não estava funcionando.
O Adão é referência no atendimento de alta complexidade a recém nascidos, mas não tinha tomógrafo. Também não tinha leito disponível na UTI neonatal. Foi preciso deslocar um bebê que estava em melhor estado de saúde, para ceder o leito a Arthur.
Em meio a tanta desgraça urbana, três pontos nos salvam: a eficiência da médica Polliny; a emoção e habilidade do cirurgião Luis Miller; e a foto do armário amoroso e impecável que, com suas roupinhas penduradas, receberia Arthur na casa de Claudia.