Marina Manda Lembranças T enho passado longos momentos com o olhar mergulhado no oceano que se estende à minha frente. O encantamento pelo m...
Marina Manda Lembranças
Marina Manda Lembranças
O encantamento pelo mar é inesgotável porque, a cada dia, ele se faz diferente. Hoje, por exemplo, dia de poucas nuvens e vento soprando de leste, sei que água está mais fria e que é prenuncio de tempo favorável. O mar está mais para cinzento do que para azul.
Mas o vento pode mudar a qualquer momento. Se soprar o sudoeste, o mar se encherá de pequenas ondas coroadas de espuma e se revestirá de azul índigo.
Antigamente havia gente admirando o oceano no alto do mirante do complexo Rubem Braga, em Ipanema. Mas o elevador que dava acesso ao mirante parou faz muito tempo, as estruturas que alguém quis coloridas enferrujam e não há mais ninguém se extasiando com o oceano. O mirante está vazio atrás dos vidros opacos de maresia.
Pena que as passarelas, que permitiam passar do elevador a outro elevador e permitiam aos usuários chegar ao topo da favela Pavão Pavãozinho, também estejam vazias. O que, ao contrário, estão cheias são as escadas de muitos e muitos degraus. Cheias de mães levando filho no colo ou pela mão, cheias de pessoas carregadas, cheias de homens que descem com a mochila às costas.
Nestes tempos de quase verão – quase, porque a temperatura sobe desce obedecendo ao comando da chuva ou de mais uma frente fria – o mar veste seu traje azul profundo.
Ontem à noite teve tempestade, com direito a trovões e relâmpagos. Já estava dormindo e me assustei com o primeiro trovão, pensando que fosse uma explosão. Estamos tão acostumados com a violência urbana que já não dialogamos com a natureza, em vez disso pensamos em tiros, explosões, enfrentamentos. Deitada e protegida pelo lençol, imaginei o mar momentaneamente iluminado pelos relâmpagos e salpicado pela chuva torrencial. E com esse pensamento, vendo através das pálpebras fechadas o clarão intermitente, deslizei para o sono.
Neste momento, olhando o mar vejo cinco cargueiros, alguns deles muito compridos, esperando para estacionar na baia da Guanabara que já não tem vaga. E sei que, se olhar à noite, verei as luzes dos cinco iluminando mais que o farol da Ilha Rasa. E dizer que, quando o farol ainda não existia, a Ilha Rasa já orientava as embarcações graças a uma fogueira acesa por um eremita que habitava na ilha.
As luzes dos cargueiros acabaram com a supremacia do farol.
Lembro que, quando ainda morava na Itália numa minúscula cidade de pescadores na costa adriática, me contaram que à noite os marinheiros que faziam-se ao largo nos barcos de pesca viam as luzes da Iugoslávia. Fato que, como um chip, ficou implantado na minha memória. Hoje, quando à noite percorro o mar com o olhar vejo, na iluminação dos cargueiros, as luzes da Iugoslávia.
Mas quem entende de mar infinitamente mais do que eu é Tamara Klink, a mais jovem brasileira a atravessar o Atlântico sozinha, no seu veleiro de nome Sardinha. Acabei de receber dela uma caixa – azul como o mar de onde vem – com título “Crescer & Partir”. Dentro da caixa vêm quatro cadernos, e sou informada que “cada par de cadernos é um livro em construção: Um Mundo Em Poucas Linhas, e Mil Milhas”, por enquanto em edição especial, limitada a 100 exemplares. Posso me orgulhar de ter recebido o meu.
Conheci Tamara e sua incrível família, viajando pelo rio Amazonas num programa litéro-turístico. No barco viajavam alguns escritores que seriam entrevistados no final da tarde, depois que se cumprisse o programa turístico. Tamara e sua irmã gêmea, Laura, fizeram uma palestra sobre a dupla experiência na Antártica para onde foram levadas, com a irmã Mina, por seus pais.
A palestra foi fantástica. As duas moças eram muito articuladas e tinham excelente senso de humor.
O que me sinaliza que o encantamento do mar faz bem aos neurônios!