“Não acredito que seja o hábito que faz o leitor. E, sim, o leitor que, por paixão, estabelece o hábito”. Kátia Persovisan – Até...
“Não acredito que seja o hábito que faz o leitor. E, sim, o leitor que, por paixão, estabelece o hábito”.
Kátia Persovisan – Até que ponto a escritora Marina Colasanti se confunde com a jornalista Marina Colasanti? Há uma multiplicidade de fazeres numa só?
Marina Colasanti – Depende, todas essas são uma pessoa só, então há uma comunhão. Depende da atividade que desenvolvo. Por exemplo, no período em que estou em veículos, como cronista, é claro que a crônica é ligada à literatura, é um produto irmanado. Desenvolvi, durante vinte anos de atividade, sendo dezoito deles dentro da redação, um foco muito forte nas questões de gênero. Eu era editora de comportamento numa revista feminina de grande tiragem e daí saiu quatro livros, não só ensaios jornalísticos, mas foi a partir do material publicado na revista. É claro que isso tem uma importância no conjunto do meu fazer. Porém nunca utilizei a literatura para fazer proselitismo, para fazer essa parte política da minha vida. Quando eu quero fazer política, quando quero ter uma atuação cidadã, eu vou e faço às claras como jornalista através de ensaios, ou como eu fazia na época, através da revista. Agora, o jornalismo me ensinou muito: a concisão – hoje eu sou uma escritora que trabalha muito condensado –, a modéstia – o jornalista escreve um texto e acha que aquilo ali é o sal da terra e o editor manda cortar a metade e aí o repórter quer matar o editor (risos), mas depois verifica bem e vê que o resultado saiu melhor. Hoje eu sempre digo: quando puder cortar um texto, ótimo. E sempre que puder ser modesto em relação ao que se faz, é excelente.
K – E o que a literatura empresta para o jornalismo?
M.C.– Bom, eu fui parar em jornal porque eu tinha bom texto. No jornal, eu fui repórter durante muito pouco tempo, se me lembro bem, algo em torno de dois meses, porque o fato de ter bom texto me transformou logo em redatora. O texto que eu tinha, com certeza aprimorei ao longo de onze anos na redação diária, pois fui secretária de texto, chefe de reportagem, chefe de redatores, enfim, ocupei todas as funções dentro de uma redação e aprimorei meu texto, é lógico. Acho que o que diferencia a literatura do jornalismo é o exercício do olhar. Eu sempre fui uma pessoa muito atenta, isso faz parte do meu temperamento e o jornalismo tem isso, ele te prepara para ser mais atenta, para fazer links. Os jovens de hoje pensam que o link é uma invenção do computador, e não é verdade, pois o computador copiou o cérebro humano, que faz links o tempo inteiro. Quando você trabalha em imprensa, você tem pouco tempo – naquela época não havia internet para você buscar tudo facilzinho no google – então o repórter era obrigado a fazer links com sua cultura, com sua leitura, com seus conhecimentos, com sua experiência. E isso tudo era enriquecedor, esse exercício mental rápido.
K – Quais são os caminhos percorridos em todas as suas obras?
M.C. – Tenho como regra, chegar, com o máximo de economia, ao máximo de resultado. Entrar, como de leve, em um tema, e, com poucos toques, virá-lo de cabeça para baixo. Minha alegria é chegar, com concisão, ao âmago das coisas. A palavra certa é um tesouro precioso, sempre raro. E uma palavra repentina e solta, saboreada na boca, é melhor que bala. Quando estou em algum veículo de imprensa, lido mais diretamente com as coisas. Mas em literatura não sou amante do realismo, trabalho com símbolos, corto no viés.
K – É mais fácil ser escritora hoje do que quando você começou? Você acha que essa geração que aí está acostumada a ler fragmentos de textos ao usar a internet pode ser um público fiel cativo da leitura?
M.C.– Eu primeiro vou discordar de você quando você diz que as pessoas estão adeptas dessa leitura fast. Uma parte das pessoas está adepta desse tipo de leitura. Mas se a gente for ao mercado verificar os dados – e eu tomo muito cuidado com essas coisas, porque gosto de me ater aos dados, embora não tenha com precisão os números –, eles revelam que há um crescimento muito grande do mercado de leitores, basta ver que estamos na segunda edição da Feira do Livro em São Luís do Maranhão. Eu, quando vim a primeira vez a São Luís, era impensável até que houvesse livraria. Eu vim há muitos anos, quando da inauguração do então Hotel Quatro Rodas. Você vai hoje às bienais de livros no Rio e em São Paulo, as quantidades de títulos é um assombro e você tem à disposição títulos muito sofisticados. Nós somos um país que traduz muito e temos um mercado muito bom, as pessoas que lêem querem ler de tudo. E as que não lêem, nós vamos convencê-las de que ler é muito bom. Agora, eu tenho a impressão – mas eu precisaria de respaldo dos editores – visto de fora, de que há mais espaço para o jovem, e que as editoras precisam de uma escuderia e os “dinossauros” (risos), como eu, estão alocados, já têm as suas editoras. Somos poucos, e o mercado está exigindo mais. Os editores precisam de novos escritores. Por outro lado, há uma oferta maior do que havia quando comecei, há mais gente querendo ser escritor. É uma coisa pela outra. Hoje em dia, o jovem tem uma vantagem que não tinha no meu tempo que é a internet. O jovem poeta, contista, pode lançar sua obra na internet e tudo bem, o romance é um pouco mais complicado.
Eu vejo sempre blogs de escritores, recebo por e-mail mini-contos, acesso sites de escritores que estão começando, blogs de poesias, enfim há uma segmentação muito favorável, sobretudo para o jovem escritor da província. Antes, as pessoas eram obrigadas a ir para os grandes centros para ter sucesso e hoje isso não é mais tão determinante, pois quem mora na província pode se conectar, por exemplo, com Estocolmo, dialogando com poetas chineses. Essa é uma vantagem muito grande.
K – Nesse ciberespaço de literatura, vigente no mundo de hoje, há mais oferta do que procura?
M.C. – Os jovens vão dizer que isso não é verdade, que não há abertura, que não existe mercado, mas recentemente a Companhia das Letras inventou um projeto reunindo diversos escritores jovens e cada um foi para uma cidade do mundo para fazer um livro, com dinheiro adiantado. Mas surgiu o Galera (Daniel Galera é um dos principais nomes da novíssima safra de escritores a despontar no cenário nacional. Ele ganhou mais repercussão depois que Beto Brant rodou uma adaptação do seu primeiro romance, Até o dia em que o cão morreu), um escritor jovem que foi para Buenos Aires nesse projeto, escreveu um romance, já vendeu os direitos para o cinema, é um baita sucesso. Não creiam os jovens de hoje que era mais fácil antigamente. Quando eu escrevi meu primeiro livro, eu era cronista já conhecida, assinava meu nome todo dia no Jornal do Brasil, portanto era um nome já conhecido, era amiga de muitos escritores importantes e era amiga pessoal de Rubem Braga e de Fernando Sabino, e eles não editaram meu livro. A resposta que o Rubem me deu foi: “Nós não vamos editar seu livro, ele é bom, mas nós precisamos vender”. Ele era dono da Editora do Autor e da editora Sabiá. Até pouco tempo eu tinha essa carta. E aí eu esperei cinco anos com o livro na gaveta. Não creiam, jovens, que foi fácil. Nunca é. Eu sempre digo aos jovens: preparem-se para o fracasso. Se você se prepara apenas para o sucesso, na primeira dificuldade você esmorece e pula fora. E essa carreira é só para quem está determinado a ficar. O fracasso de um livro não é o fracasso de uma carreira. Às vezes, acontece de o primeiro ou segundo projetos não vingarem.
K – Qual seria o principal conselho para quem está começando?
M.C. – Tenha certeza de que é isso que você quer. O conselho que qualquer escritor – os americanos adoram escrever livros cheios de conselhos – pode dar a quem está começando é: escreva o tempo inteiro, escreva todo dia. Ah, não tem tempo? Todo mundo tem tempo para escrever cinco páginas. Se não der, escreva três. Não vá dormir sem cumprir isso.