Marina Manda Lembranças Q ue saborosa estava a carne enrolada do almoço, e macia. Meu marido elogiou a empregada. “É porque esfreguei co...
Marina Manda Lembranças
Como se fosse a continuação dessa conversa, à noite liguei a TV e no canal espanhol dei de cara com um concurso gastronômico. Como eram severos os três juízes e como sofriam os quatro candidatos. Costeletas de cordeiro, modestas embora enfeitadas com pétalas de flor, mereceram análises surpreendentes, mais que análises, verdadeiros ensaios sobre cozimento, cor, textura, e sabor, sabor, sabor.
Caí no canal espanhol como poderia ter parado em qualquer outro, e em todos teria altas possibilidades de encontrar uma ou mais pessoas de roupa branca e toque, debruçadas sobre uma panela ou uma tábua de picar. De Sidney, onde nasceu o programa Master Chef, ao resto do mundo, onde ele é replicado até mesmo em versão infantil com o Jr. Master Chef, a gastronomia está na moda.
Está na moda, e olha de cima para baixo para a culinária. Culinária é menino jogando futebol no quintal com bola de pano, gastronomia é craque. Nos programas gastronômicos mais aplaudidos sequer se ensina a cozinhar. Mostra-se a atividade quase frenética nos fogões, dando a entender subliminarmente que aquilo não é para mortais comuns. Os pratos, apresentados como preciosidades, são apenas para deleite do olhar e da imaginação.
Houve um tempo de colheres de pau, em que a melhor comida era a da mamãe, cada família tinha uma receita de bolo imbatível, e os grandes jantares eram feitos pela cozinheira da casa. Não faz muito, a colher de pau foi declarada anti higiênica, e substituída pela espátula de silicone. A mamãe agora é delegada, artista, funcionária, e não cozinha. O bolo compra-se pronto, com escrito parabéns. E os grandes jantares só são considerados grandes quando encomendados a bufês. A comida saiu do domínio domestico.
Dividiu-se entre fast food, prato feito, a quilo, comida de botequim, restaurante, espalhou-se por quiosques e praças de alimentação. Mas a divisão é só aparente, a comida está mais unida que nunca, toda ela bem presa na mão do mercado.
E o mercado precisa de excelência, como precisa de grifes. Aliás, comi em Paris, não faz muito, uma sobremesa grifada. Como um Picasso, vinha com a assinatura do criador. Pareceu-me especialmente deliciosa, mas é possível que eu estivesse influenciada pela assinatura.
O surpreendente é que a gastronomia parece crescer na mesma medida em que nossos paladares se tornam cada dia mais tolerantes. É como se tivéssemos adotado duas comidas, uma para os sonhos, outra para mastigar. Olho no supermercado as coloridíssimas caixas dos congelados, e me pergunto quem come aquilo. Depois olho nos carrinhos junto às caixas, e sei quem come. Talvez, comer pizza calabresa congelada enquanto se olha na TV um programa de gastronomia, melhore o sabor da pizza.
Eu prefiro as coisas ao vivo. Por isso, a convite da minha amiga , a pianista Cesarina Riso, fui esta semana a um almoço gastronômico dos Companheiros da Boa Mesa, que há 30 anos se reúnem ao redor de boa comida, bons vinhos e bons sentimentos. O chef era de Barbacena, o menu tinha variantes. E tudo era muito bom.