Marina Manda Lembranças E u deveria fazer uma crônica alegre porque as rosas da Mangueira ganharam orvalho com a chuva. Mas, como d...
Marina Manda Lembranças
Fomos informados pelos serviços de inteligência que o filme do EI tingido de sangue foi feito em janeiro ou até dezembro. Mas só agora a fila simétrica de homens, um diante do outro, laranja e preto alternados , caminhou diante dos meus olhos sobre aquela aresta de praia. Só agora vi os homens de laranja ajoelhados à espera. E eu, que na infância tantas vezes fui ao Coliseu, penso que melhores eram os leões, matando cristãos ou o que tivessem pela frente, por fome, sem qualquer escudo ideológico. Os homens de preto falam em religião, apontam a faca numa direção que dizem ser de Roma, e eu não vejo religião alguma, não vejo Roma, vejo somente um embate entre civilização e barbárie, a barbárie em estado puro que acreditávamos vencida definitivamente ao fim da Segunda Guerra.
Eu deveria fazer uma crônica alegre porque já na semana passada falei de um fato nada risonho, e não se deve pesar sobre o leitor. Mas é ligar a televisão, ou abrir o jornal, para que o sorriso tenha dificuldade em se manter.
No estado de São Paulo, aquele de que dizemos ser o mais civilizado – e certamente o mais rico – do país, um estupro acontece a cada hora. Talvez para colaborar com a estatística, esta semana houve um estupro coletivo. Creio que foram nove homens e rapazes. Mas oito ou nove dá no mesmo, para a vítima qualquer coisa acima de um é multidão. Pensávamos que estupro coletivo fosse coisa de Índia, coisa de casta, de preconceito. Mas somos parte do Brics e fazemos nossa parte. O que não dizemos é que, em sociedade tão permissiva quanto a nossa, em que sexo se faz em qualquer esquina, o estupro também é barbárie em estado puro. E quando coletivo, pretende ser em honra do deus falo.
Eu deveria fazer uma crônica alegre porque vi um belo documentário francês, sobre o trabalho de conservação ambiental realizado nas Pequenas Antilhas, no Caribe. Havia um rochedo desabitado em meio ao mar, abrigo de aves marinhas, e cinco câmaras estrategicamente localizadas para registrar sua vida estavam sendo checadas por técnicos/montanhistas. E havia dois guias percorrendo as trilhas nas florestas de Guadalupe para fiscalizar seu bom estado. E havia um catamaran que durante um mês navega de ilha em ilha, com uma tripulação de voluntários registrando a presença de embarcações e a vida marinha. E havia um casal de botânicos que percorre as encostas da sua ilha em busca das plantas silvestres com que produz artesanalmente o índigo blue.
Mas também vi a notícia do casal de navegadores que, depois de percorrer com seu veleiro, durante 25 anos, as costas do mundo inteiro, teve a infeliz idéia de lançar âncora na baía de São Marcos, em São Luis. Haviam visto fotos do lugar, o mar azul, acharam lindo e resolveram vir. Iriam depois à Amazônia. Não podiam saber que o Maranhão, depredado por seu governo durante tantos anos, tem os piores índices do país. E porque não falavam português, não entenderam os avisos passados por rádio, para que não ancorassem ali, naquela beleza aparente que abriga piratas bárbaros como os da Somália.