Marina Manda Lembranças E u roubei porque quis, por prazer" disse Z, 16 anos, em entrevista, após roubar um celular na praia do ...
Marina Manda Lembranças
Roubar, nos diz a frase de Z., tornou-se um esporte tanto mais prazeroso porque arriscado. Um esporte em que nada se gasta - mesmo no ônibus que traz esses jovens até a zona de caça é regra entrar pela porta traseira e não pagar - e algo sempre se ganha. Pode ser praticado em grupo, ou solo, modalidade que acredito seja mais valorizada. E, abaixo dos 18 anos, costuma não dar em nada - Z saiu da delegacia antes mesmo de Edith, a vítima.
Esportes perigosos na primeira juventude substituíram os antigos rituais de iniciação. Na idade em que o jovem indígena era atado a um cipó e devia jogar-se do alto, o jovem urbano faz pegas de carro. Continua sendo dever dos futuros machos da espécie demonstrar sua valentia, sua capacidade de enfrentar o perigo e vencer. Mas se nas comunidades primitivas, mais horizontais, os rituais eram iguais para todos, na nossa sociedade divididas em classes e espaços geográficos diferentes, os rituais podem ser bem variados. Nem todos têm carros para fazer pegas.
Tem sido dito que o que põe os jovens na rota da ilegalidade é a falta de família, a falta de dinheiro, a falta de escola. Pode não ser. O pai de Z é trabalhador, e um bom pai. Separado da mãe de Z. , pagava escola particular para o filho, e dava uma mesada à mãe para o seu sustento. Segundo a madrasta, dava ao filho roupas de marca - não serve mais qualquer roupa - celular, videogame. A mãe é faxineira, diz que "ele não precisa roubar, tem tudo que precisa". E disse ainda ," a gente ensina o caminho certo".
Z., então, tem pai e mãe atentos e provedores, escola particular. Mas mora em comunidade da Zona Norte. E isso lhe dá convivência com dois tipos de exemplo: o dos próprios pais, trabalhadores esforçados que sobrevivem honestamente mas com aperto, e o dos reis do pedaço, pequenos e grandes meliantes que exibem uma abundância nem sempre real e uma liberdade constantemente ameaçada.
Z. fez sua escolha, largou a escola e, por isso, brigou com o pai, que deixou de falar com ele. De certa forma, jogou fora o colete salva-vidas e decidiu seguir a nado sozinho.
Furto e foto lhe deram instantânea notoriedade. Postou no Face:"Que isso, não sabia que tava tão famoso assim, não". A fama chegou de forma enviesada e antes do esperado, mas não deixa de ser uma coroação. Na comunidade em que vive, e onde vai responder em liberdade pelo roubo, tornou-se alguém. É quase certo que seja aclamado pelos colegas, os mesmos com que havia ido ao Arpoador e combinado de "roubar lá mesmo".
Ele diz agora que queria "zoar", e "dinheiro para gastar comigo. Comprar uma roupa nova." O que não diz, é que queria também o que obteve, reconhecimento junto aos amigos da comunidade. Um lugar de destaque vale mais que roupa nova mas, dependendo da futuras escolhas, pode custar bem mais caro.