Marina Colasanti nasceu em Asmara, na Eritréia, viveu em Trípoli, percorreu a Itália em constantes mudanças e transferiu-se com a família...
Marina Colasanti nasceu em Asmara, na Eritréia, viveu em Trípoli, percorreu a Itália em constantes mudanças e transferiu-se com a família para o Brasil em 1948.
Desde o início, viajar foi sua maneira de viver. Com certeza por isso Marina se considera uma passageira em trânsito. Não existe cafundó do planeta que ela não tenha visitado, a trabalho ou pela curiosidade própria dos viajantes. Foi assim que essa mulher aprendeu a ver o mundo com o duplo olhar de quem pertence e ao mesmo tempo é estrangeiro.
A pluralidade de vida transmitiu-se à sua obra. Pintora e gravadora de formação, Marina é também uma ilustradora de mão cheia. Foi publicitária, apresentadora de televisão e traduziu obras fundamentais da literatura. Como se não bastasse, Marina tem uma extensa carreira como jornalista, a maior parte dela exercida nos bons tempos do Jornal do Brasil.
Poeta premiada, ela publicou também livros de comportamento e de crônicas, recebendo numerosos prêmios como contista, inclusive dois Jabutis. Na entrevista que concede ao jornalista Marco Lacerda, no Dom Total, Marina faz saborosas revelações, inclusive sobre a experiência de ser casada com um dos maiores escritores brasileiros, o poeta Affonso Romano de Sant’Anna.
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Abaixo, trechos da entrevista:
Marco Lacerda: Que memórias você guarda do lugar onde nasceu, Asmara, na Etiópia?
A pergunta bate com o meu último livro, que será lançado em setembro e se chama “Minha guerra alheia”. O livro traz justamente as memórias dos meus primeiros 10 anos de vida.Claro que não escrevi pensando que as pessoas se interessariam por minhas memórias de criancinha. A minha vontade era traçar um olhar sobre o que é a guerra em termos domésticos, como ela é vivida familiarmente.
Passei os cinco anos da Segunda Guerra na Itália, o pós-guerra também, cheguei ao Brasil apenas em 1948. Sou ainda fruto da guerra de colonização. Nasci em Asmara, na Eritréia, exatamente porque meu pai participou das batalhas de conquista.
Então, a guerra atravessa todos os meus primeiros 10 anos de vida. Da cidade onde nasci, não tenho praticamente lembrança nenhuma. Dali fomos morar em Trípoli, na Líbia. Embora fosse muito pequena, tenho lembranças da casa, do avião em que fomos embora, do cachorro.
Como foi a sua trajetória, Marina, que caminhos te trouxeram pro Brasil?
Caminhos muito agradáveis e familiares. A tia do meu pai, irmã do meu avô paterno, era uma grande cantora lírica chamada Gabriela Bezanzoni. Ela casou-se, em 1925, com um brasileiro maravilhoso, o Henrique Lage.Meu avô, que era padrinho, veio para o casamento. Também vieram o meu pai, o meu tio e a minha avó. Na ocasião, meu pai se encantou com o Brasil. Depois, voltou sozinho e passou um ano morando com a tia.
Estava encantado com o Rio de janeiro, mas voltou para a Itália por diversas outras circunstâncias. Quando a guerra acabou, os planos que ele tinha de morar definitivamente na África tinham sido destroçados. A Itália estava destroçada pela guerra.
Ele, então, voltou para o seu primeiro amor: o Brasil. Veio logo no primeiro navio que saiu da Itália, em 1946, assim que a guerra acabou. Nós viemos depois.
Antes de lançar o seu primeiro livro, “Eu Sozinha”, em 1968, você teve uma longa trajetória como jornalista. Em que veículos você trabalhou?
Eu amo o jornalismo. Ainda me considero uma jornalista, embora esteja fora de veículos há muito tempo.Entrei por acaso no jornalismo. A minha formação é em artes plásticas. Fiz o curso de Belas Artes, estava trabalhando com uma artista e resolvi ganhar a vida para ser independente. Amigos meus, sabendo que eu tinha bom texto, me levaram para o Jornal do Brasil.
Fiquei no JB por 11 anos, nos quais aprendi de tudo. Fui trabalhar no Segundo Caderno, onde atuei como repórter, colunista e cronista, fiz ilustrações e desenhos de moda. Conheci, aos poucos, todas as peças da engrenagem. Editei até o Caderno Infantil, fiz resenha de livros, fui secretária de texto, chefe de reportagem.
Fazia outras coisas ao mesmo tempo, porque jornalismo é ótimo, mas não nos sustenta com folga. Então, editei cadernos do Jornal dos Esportes, escrevi para a “Ele e Ela” (e para tudo quanto é revista), fiz televisão.
Quando sai do JB, fui trabalhar na Nova, da Editora Abril, que estava começando, era uma revista recém-nascida. Fiquei lá como editora de comportamento durante 17 anos. Um bom tempo. Paralelamente trabalhava em publicidade, que também foi uma experiência muito interessante.
Marina muitos críticos dizem que você escreve sobre o avesso da vontade e que esse é um dos temas mais freqüentes em toda a sua obra. Contrariar o próprio desejo é uma forma de intuição? O desejo pode não ser o caminho do destino, apenas do hábito?
O desejo pode ser muita coisa. Pode ser ditado de fora para dentro ou pode surgir de dentro para fora.O carro do último modelo é um desejo que foi implantado artificialmente em você, com muita publicidade. “Você precisa do último modelo da geladeira, do rádio. Precisa trocar constantemente todo o guarda-roupa”.
A nossa sociedade vive o desejo de maneira muito intensa porque ele é plantando o tempo inteiro. Esse é um desejo inerente ao tempo da modernidade. (...)
E há os desejos internos, alguns ditados pelos hormônios (os mais intensos), outros ditados pelas estruturas que você vai construindo. A soma dos seus hormônios, com a sua razão, suas fantasias e ideologias te levam à construção de desejos.
Contrariar o desejo talvez não seja uma norma sábia, mas questioná-lo perguntando “quem és tu?”, “o que me mandas fazer?”. Isso é muito sábio.
Entrevista realizada pelo jornalista Marco Lacerda no programa FrenteVerso, que vai ao ar aos domingos, às 21h, pela Rádio Inconfidência FM (100,9), de Belo Horizonte.
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