Estado de Minas L eio coisas estranhas nos jornais e revistas. A ciência, falsamente massificada, nem por isso se torna mais compreensíve...
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Pergunto-me para que servem ou servirão caracóis eletrizados. Não ponho em dúvida a importância da descoberta. Tanto empenho, tanto dinheiro, tantos testes, tantos caracóis mortos nas tentativas falhas, certamente tinham uma meta. Mas dela não somos informados.
Comi escargots uma única vez, quando jovem, numa viagem à Espanha. Não havia aquela encenação de pinças especiais e falsa casca de cerâmica. Os bichinhos vinham descaracterizados, ouso dizer nus, quase submersos num molho denso e escuro. Eram deliciosos. Penso que iriam bem com polenta. Mas não os como mais. Não por nojo, por carinho.
Por carinho e respeito, pois o caracol é muito mais que um gastrópode, é um símbolo. O símbolo do binômio "ser vivo e sua casa", da proteção da casa, do peso da casa às costas. Crianças urbanas que nunca viram um caracol verdadeiro, ainda assim o conhecem intimamente dos livros, das ilustrações, das histórias. Na infância, cantei muito para eles aquela musiquinha que acreditávamos os faria sair de dentro da casca e alongar os chifrinhos. Nem sempre tive êxito, mas era delicioso estar alí abaixada junto ao cheiro úmido da terra, tentando me comunicar com eles. Só bem mais tarde soube que nunca me ouviram. Os caracóis são desprovidos de audição.
Informada da sua nova capacidade elétrica, penso nos chifrinhos e os vejo como pinos de tomada. Não demora, teremos piadas transformando os caracóis em carregadores portáteis de celular, em mini-implementos eletrodomésticos, em engenhocas da modernidade. Acabaremos esquecendo que a única finalidade das antenas é movimentar os olhos contidos nas pontas, ampliar as possibilidades visuais desses bichinhos, que só contam com a visão e o tato.
O que os caracóis farão da recém adquirida potência? Ou seja, qual a vantagem para eles dessas enzimas que doravante os habitam? Seres noturnos, que pouco aparecem durante o dia, não poderão, ainda assim, usar sua própria eletricidade para gerar iluminação. Criaturas lentas, que levam uma hora para avançar cinco metros, não aumentarão sua velocidade por serem elétricos. E não creio que a baba com que marcam sua passagem e que os ajuda a deslizar se torne luminescente ou passe a dar pequenos choques em eventuais predadores.
Os caracóis não foram consultados, a ciência não pergunta, faz. E modifica.
O encontro sexual dos caracóis é muito especial. Ví num documentário. Toda a baba, toda a viscosidade, todo o suave ondular dos corpos sobrepostos entra em ação, acariciante e lento. O beijo humano, perto disso, é nada. Os corpos, cada um possuidor dos dois sexos, se fundem, se confundem, e a coisa toda rende 10 magníficas horas ininterruptas. O que acontecerá com essa perfeição amorosa quando a eletricidade for incluída no pacote?
Mas, é claro, os caracóis são apenas o começo. Breve, os vaga-lumes terão concorrência.