Estado de Minas A s mulheres de Bogotá têm no armário, em média, sete pares de botas. É estatístico. Disse isso à moça que me atendeu qu...

Estado de Minas
Estão elas cobertas de razão. O clima é frio a 2,6 mil metros de altitude e agora, tempo de inverno, chove muito. Botas e jeans, botas e leggings, saltos baixos, altos ou vertiginosos, lá vão elas pelas ruas, exército de amazonas sem cavalo. Nós também, as brasileiras que lá estávamos, escritoras algumas, para a feira do livro em que o Brasil foi país homenageado, cumprimos tarefas pisando firme em nossas botas.
Bogotá é uma cidade que, como São Paulo muitos anos atrás, está mudando de pele. Cada vez que vou, e vou muito, me surpreendo com o avanço da pele nova. Uma pele rosa escuro, feita de tijolinhos. Lí em alguma parte que as construções de tijolinhos começaram com uma certa colonização inglesa e foram retomadas na modernidade por um arquiteto brilhante. Muitos outros adotaram depois o mesmo estilo e os tijolinhos se tornaram marca distintiva da cidade. Sábio homem aquele arquiteto primeiro. No frio imposto pela altitude, debaixo das nuvens trazidas pelos ventos de montanha, que triste teria sido Bogotá se, como todas as grandes cidades do mundo moderno, fosse eriçada de altos prédios cinzentos. Mas não. Basta que um raio de Sol dissipe a névoa, para que o tom rosado dos edifícios se acenda, multiplicando, como um rebatedor, aquela luz que é quase calor.
Vou muito a Bogotá, sempre levada por livros e leitura. Mas no início, entre uma palestra e um simpósio, usava raspas de tempo para ser turista. A primeira vez, faz tantos anos, fui sozinha ao Centro. Visitante mulher sempre teme os centros urbanos. É onde lobos espreitam, onde ser diferente se torna perigoso. E eu, com meus olhos claros,minha pele pálida, meus cabelos avermelhados, mesmo sem máquina fotográfica sou uma gringa inequívoca. Mas fui, porque só se conhece uma cidade conhecendo seu Centro. E andava cuidadosa como gato que atravessa praça, quando reparei nos homens de terno. Não eram aqueles ternos pretos que caracterizam os seguranças ou os temidos agentes de Matrix. Eram ternos cinzentos, modestos, quase surrados, que só chamaram a minha atenção porque ninguém, além daqueles homens, os usava. E aqueles homens, parados de pé na calçada, passavam a quem parasse a seu lado, embrulhos chatinhos de papel branco. Papelotes, pensei imediatamente! E tive a assustada certeza de ter caído na boca da cocaína.
É assim que a gente se equivoca ao julgar cidades e pessoas. Segura o primeiro medo e o primeiro estereótipo e, embora os olhos abertos, vê errado. Eu não havia caído numa boca, e sim na caverna de Alí Babá. Aqueles papelotes continham pedras preciosas, as famosas esmeraldas colombianas, que estão entre as mais apreciadas do mundo. Nunca comprei uma. Penso nisso cada vez que vou, e não compro. Não preciso de uma esmeralda. Mas tive um gosto semelhante ao de comprar quando convencí uma amiga a fazê-lo, pelo que ela até hoje me agradece.
Nenhuma esmeralda cruzou minha viagem desta vez. Só livros. Mas deles sempre preciso.
Bogotá é uma cidade que, como São Paulo muitos anos atrás, está mudando de pele. Cada vez que vou, e vou muito, me surpreendo com o avanço da pele nova. Uma pele rosa escuro, feita de tijolinhos. Lí em alguma parte que as construções de tijolinhos começaram com uma certa colonização inglesa e foram retomadas na modernidade por um arquiteto brilhante. Muitos outros adotaram depois o mesmo estilo e os tijolinhos se tornaram marca distintiva da cidade. Sábio homem aquele arquiteto primeiro. No frio imposto pela altitude, debaixo das nuvens trazidas pelos ventos de montanha, que triste teria sido Bogotá se, como todas as grandes cidades do mundo moderno, fosse eriçada de altos prédios cinzentos. Mas não. Basta que um raio de Sol dissipe a névoa, para que o tom rosado dos edifícios se acenda, multiplicando, como um rebatedor, aquela luz que é quase calor.
Vou muito a Bogotá, sempre levada por livros e leitura. Mas no início, entre uma palestra e um simpósio, usava raspas de tempo para ser turista. A primeira vez, faz tantos anos, fui sozinha ao Centro. Visitante mulher sempre teme os centros urbanos. É onde lobos espreitam, onde ser diferente se torna perigoso. E eu, com meus olhos claros,minha pele pálida, meus cabelos avermelhados, mesmo sem máquina fotográfica sou uma gringa inequívoca. Mas fui, porque só se conhece uma cidade conhecendo seu Centro. E andava cuidadosa como gato que atravessa praça, quando reparei nos homens de terno. Não eram aqueles ternos pretos que caracterizam os seguranças ou os temidos agentes de Matrix. Eram ternos cinzentos, modestos, quase surrados, que só chamaram a minha atenção porque ninguém, além daqueles homens, os usava. E aqueles homens, parados de pé na calçada, passavam a quem parasse a seu lado, embrulhos chatinhos de papel branco. Papelotes, pensei imediatamente! E tive a assustada certeza de ter caído na boca da cocaína.
É assim que a gente se equivoca ao julgar cidades e pessoas. Segura o primeiro medo e o primeiro estereótipo e, embora os olhos abertos, vê errado. Eu não havia caído numa boca, e sim na caverna de Alí Babá. Aqueles papelotes continham pedras preciosas, as famosas esmeraldas colombianas, que estão entre as mais apreciadas do mundo. Nunca comprei uma. Penso nisso cada vez que vou, e não compro. Não preciso de uma esmeralda. Mas tive um gosto semelhante ao de comprar quando convencí uma amiga a fazê-lo, pelo que ela até hoje me agradece.
Nenhuma esmeralda cruzou minha viagem desta vez. Só livros. Mas deles sempre preciso.