Estado de Minas A tenas — Não surpreende que quando os deuses quiseram ter uma casa secundária escolhessem a acrópole de Atenas. Moravam...

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Dos deuses é o iogurte. Quem nunca comeu iogurte grego nunca comeu iogurte algum, comeu outras coisas pálidas que se apropriaram do nome. Esse iogurte abençoado não vem em potinhos, não se humilha no plástico, não veste marcas. É servido em tigelas generosas, louça branca como ele, e para quem o deseja adorna-se com o fino ouro do mel coado.
Dos deuses é o vinho. Não por ser especialmente bom, mas por ser fresco e claro, tomado à sombra de uma parreira ou de um beiral, quando o sol ao redor cintila e ofusca. Há alguns anos traduzi um livro do autor americano de origem grega, Jeffrey Eugenides; nele, a avó grega do narrador vive reclusa no porão da casa, à sombra da parreira pintada sobre uma das paredes azuis. Da parreira pendem cachos de uva já fartos, que só amadurecerão ao fim do verão interminável. Já não lembro se a avó tomava vinho real ou imaginário.
Verão em Atenas, é todo mundo na rua. E a rua, em Atenas, tem graça diferente. Não a rua, mas as ruas. Há uma rua principal, de pedestres, larga e elegante, a Ermou, onde se alinham todas as lojas das marcas internacionais presentes em todas as grandes cidades internacionais. Uma longa repetição. E esta rua deságua numa praça. Ali, a coisa muda de figura. Houve um momento na história, em que os deuses, ausentes da sua casa de mar ou desatentos, permitiram que caísse em mãos dos turcos. O momento durou quatro séculos - outro é o tempo dos deuses- e deixou vestígios. Eles afloram quando, tendo andado até o fim da rua Ermou, chega-se à praça Monastiraki.
Fim das marcas, do multinacionalismo, das vitrinas sempre semelhantes. Barracas como as de feira vendem pirâmides de cerejas e damascos frescos a quem entra e sai da estação de metrô, e da praça nascem ruas e ruelas irregulares onde tudo o que se vende – menos as jóias- está exposto do lado de fora das lojas, pendente, ondulante, empilhado, exibido. É um mercado árabe, um quase souk delicioso pelo movimento, e sedutor pelos preços.
A multidão que se move é a mesma, ou quase, que caminha pela rua Ermou. Mas aqui, compactada pelo aperto, estimulada pela possibilidade da compra barata, torna-se mais acesa, tateando os objetos, sopesando os tecidos, provando as sandálias, avaliando com mãos e olhar, no antigo desafio da busca e da coleta.
Há muito mais em Atenas: a beleza do Parthenon, as ruas silenciosas e floridas onde habita o poder, a máscara de ouro de Agamennon, o sorriso “arcaico” dos Kouroi , as laranjeiras carregadas de frutos, as delicadas cariátides do Erectheion, as alegres tavernas da Plaka.
Tudo é museu numa cidade que não se conhece, ou que se conheceu uma vez no passado e à qual se retorna. Tudo pede o nosso olhar atento porque, embora sem dizeres, em tudo está escrito parte daquilo que queremos saber: que cidade é esta, que gente a habita, como é que passado e presente se tecem para constituir a vida que aqui se leva.