Estado de Minas O ar é doce nesse começo de verão em Paris e os cafés estão cheios. Todo mundo sentado em fila, de frente para a rua, n...
Estado de Minas
A vida, em Paris, desfila com todas as raças. O ideal, para se estar na moda, seria ter diversos rostos guardados no armário e sair cada dia com um, hoje asiático, amanhã africano, depois árabe ou turco ou indiano e de vez em quando até mesmo francês. Há muitos brasileiros metidos no meio da vida, em Paris, mas os brasileiros se adiantaram nisso de ter múltiplos rostos e só quando falam revelam sua procedência.
Os tornozelos estão à mostra. Homens e mulheres festejam o calor incipiente usando calças mais curtas. As mulheres preferem short. E porque não são extremamente fornidas em carnes, aquelas pernas ainda brancas do inverno, longilíneas, resultam mais graciosas do que sensuais.
Muitos homens jovens ainda usam cabelo samurai, muitas jovens mulheres cortaram franja. E todos os que têm uma reputação de modernidade a defender, enrolam o pescoço em écharpes coloridas, amassadas, floridas. Desistirão delas, provavelmente, quando forem obrigados pelo calor, mas por enquanto resistem.
Muitas mulheres mais velhas não pintam os cabelos. A maioria, creio. Trata, mas deixa a cor natural. E não fazem plástica. Envelhecer, em Paris, não é considerado falta de cuidado, não ofende.
Surpreendam-se, ó brasileiros!, mas o jeans em Paris não é uma obrigatoriedade. Os homens estão preferindo calças de algodão coloridas, amarelas, verde-bandeira, vermelhas, roxas. E blazers leves, linho, por cima de camisetas. As mulheres usam sainhas, vestidinhos, saias longas, leggings e muita, muita superposição.
Também as bolsas Vuitton, que por aqui circulam verdadeiras e falsas como garantia de elegância, lá quase não se veem. As bolsas da moda são grandes e lisas, cabans, sem fecho e sem enfeites, de couro macio e, mais uma vez, coloridas. Entre as cores vencem o cantaloupe e o verde. O cantaloupe, para quem não está lembrado, é aquele primo do laranja e da cor de abóbora, mais delicado, mais rosado, alegre sem ser gritante, amigo de qualquer rosto. É quase salmão, mas fica grato se o chamam de cantaloupe.
A vida diante dos cafés passa a pé ou de bicicleta, muita bicicleta em Paris, como forma de transporte mais que lazer. Desliza sobre rodas, de patinete, de patins, de motos e até nas rodas das maletas que a todo momento alguém arrasta sobre a calçada. No trânsito, Ferrari e muito Smart, os dois opostos lado a lado, luxo e conforto, a grife dos sonhos e aquele meio carrinho que estaciona em qualquer lugar.
Sentada de frente para a rua, coisas boas acontecem diante do nosso olhar. Jovens se encontram e conversam sem a presença do celular. Uma passeata grande e organizada flui diante de tantos restaurantes protestando contra a forma cruel de criar e abater os animais para consumo. Pessoas entram e saem da livraria ao lado. Eu também irei depois à livraria e me surpreenderei encontrando Ivo Pitanguy, que me falará de Rilke e lerá o poema da rosa. Mas isso ainda é futuro enquanto acabo minha taça de vinho.