Estado de Minas É hora de soft pornô, ou assim nos dizem. Tento entender o que será este novo produto, que nos chega com o livro Cinque...
Estado de Minas
Até meados do século passado, as mocinhas suspiravam com os livros de M. Delly. Depois suspiraram com os livros vendidos em banca, da coleção Arlequin. O esquema para esses romances era o mesmo: mocinha doce mas de convicções firmes como aço; mocinho muito rico ou muito nobre, belíssimo, voluntarioso; amor sempre contrastado mas ardente; desejo presente e nunca realizado; beijo final.
No livro da moda, ao contrário, o desejo se realiza. E como! A mocinha, doce mas firme como aço (acho que já li isso antes) quer ser submetida, castigada, dominada pelo mocinho riquíssimo (acho que já li isso antes) e belíssimo (acho que já li isso antes), que começa a conversa dando-lhe uma surra e convidando-a para uma boa relação sadomasô (também li isso antes, mas em livro de outra estirpe).
É justamente ao cruzar-se com a outra estirpe, que o cinza fica esperto. A história de O, publicado em 1954, foi um sucesso imediato, ganhou o prêmio de melhor literatura erótica da França, foi transformado em filme, alimentou de erotismo diversas gerações. A mocinha, O, também é livre e independente, e também é convidada por seu amante para uma relação de dominação/submissão. Torna-se escrava sexual voluntária. É adestrada para bem atender o desejo de vários homens, marcada a ferro – com gosto – atravessada por um piercing de argolas na vagina – com prazer. Nada é light. E o texto é brilhante.
Pergunto-me por que alguém prefere ler pornografia light mal escrita, quando há tanta pornografia integral muito bem escrita. Pornografia soft é apenas meia pornografia, é uma pornografia que diz seu nome envergonhada, mas que não precisa ser escondida debaixo do colchão. Cassandra Rios, grande escritora de pornografia do meu tempo, que líamos escondidas no colégio de freiras, ao ser substituída por essa inglesa E. L. James pode ser lida abertamente na hora do recreio.
Entretanto, se o prazer da pornografia tem fundas raízes no prazer da transgressão, ao ler uma pornografiazinha consentida perde-se boa parte do barato.
E. L. James começou escrevendo em uma fanfiction de adolescentes. Tendo tido ótima resposta, transformou o material em seu romance erótico e publicou-o como livro eletrônico. Público-alvo eram os bem jovens, que embora ansiosos por erotismo, ainda têm suas leituras controladas. Calculou seu soft pornô para entrar na trilha aberta por Crepúsculo, acrescentando pimenta à receita “homens perigosos (vampiro/lobisomem), mocinha frágil desejosa de dente na veia”. Mas o sucesso que se seguiu, e que levou o livro às livrarias, surpreendeu a autora. Os adultos estavam lendo seus 50 tons.
Em plena era do sexo alardeado, os adultos estão pensando como adolescentes. Escolhem romances cor-de-rosa destinados a seus filhos e saboreiam pornografia light. Minha geração alardeava menos, sexo era coisa privada, mas na hora de ler escolhia coisa boa e, em matéria de pornografia, preferia hard.