Estado de Minas B eja — No Alentejo, em Portugal, não chove nesta época do ano. Por isso estamos no Jardim Público da cidade, debaixo de...
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Narradores vindos de distintos países fazem espetáculos individuais de uma hora de duração. Vejo à noite um contador que rema e narra no pequeno barco do laguinho, levando para outras distâncias os pequenos passageiros. São as História à Deriva. Há oficinas para Aprendizes do Contar, mesas redondas, apresentação de livros, exposições. Em um grande canteiro foram deitados livros abertos que as pessoas poderão colher e levar no último dia. E cada noite, quando a contação é gratuita, a cidade vem com suas crianças, e mais de 600 pessoas assistem encantadas.
As palavras se expandem em Beja, há cada vez mais gente para recolhê-las. Este ano foram 300 os andarilhos inscritos. Professores, bibliotecários, atores, pesquisadores, músicos, cineastas, pedagogos, vieram de várias partes do mundo atraídos por esse evento que emerge da Biblioteca Pública Municipal.
Misterioso é o fascínio do ato de contar. Cada um o faz a seu modo, e a mesma história contada por duas vozes diferentes, por dois distintos movimentos corporais, se transforma em duas histórias. Em outros festivais de narração vi narradores utilizando recursos cênicos, figurinos especiais, objetos pertinentes à história. Em Beja, não. Todos contaram transfigurados apenas pela voz, no máximo acompanhando-se com um instrumento. Um toca concertina, outra canta, outro bate um tambor, um violão anuncia voz de lobo, ouve-se inesperado o som de uma caixinha de música. E as palavras se desdobram para formar o encantamento de uma história.
Beja é cenário especialmente propício para isso. Cidade antiquíssima, erguida num sobrepor-se de sete cidades, coroada por um castelo, é famosa hoje, sobretudo, por uma comovedora história de amor. Em Beja sofreu o coração da freira Mariana Alcoforado. O convento onde ela viveu está lá, está lá a janela da cela de onde viu o objeto da sua paixão montado a cavalo como um príncipe de contos de fadas, o nobre francês Chamilly. Visita-se como qualquer museu. Mas o que os turistas procuram não é a beleza do claustro revestido de azulejos, nem a capela de teto afrescado. É o pecaminoso palpitar da freira, o ardor da paixão que Mariana deixou registrado nas cartas endereçadas ao amado, as hoje famosas Cartas Portuguesas.
E porque, ao escrever , cruzei instintivamente Palavras Andarilhas com cartas de Mariana, ofereço a Cristina Taquelin, apaixonada criadora e organizadora desse festival, a ideia que acaba de me ocorrer: criar na próxima programação um espaço narrativo dedicado exclusivamente a contos de amor. Há tantos, e tão bonitos, da tradição e da modernidade, e sequer precisamos sair do contato com as crianças, pois elas bem sabem a que devem a vida.
