Estado de Minas E u estava no meio de uma conferência, quando percebi de repente, ao fundo, um cachorro. Nem estava no chão, nem sentado ...

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Tenho sempre a sensação de que aprendo mais com os animais, do que eles comigo. Comigo podem aprender aquela disciplina humana que só a nós interessa, podem aprender a comer uma ração em tudo inferior à carne ou à grama que gostariam de comer, podem aprender que é melhor submeter-se ao banho do que resistir a ele. Não aprendem o amor pela musica, porque já o tem, mesmo sem nomear as notas. Não aprendem as delícias da gastronomia, porque não lhes é permitida. Não aprendem a gostar de museus, porque o ingresso lhes é vetado.
Minha amiga colombiana tem um cachorro chamado Colapso. É, mais que um nome, uma carta de apresentação. Colapso é um pastor ovelheiro inglês, sem ovelhas e sem aqueles verdes pastos onde as ovelhas tentam se perder sem que os colapsos deixem. É um tapete peludo com patas. Um tapete grande e muito peludo. Colapso mora num apartamento moderníssimo, triplex. As escadas são estreitas para a mole de Colapso, e quando ele sobe em grande velocidade – não creio que seja capaz de fazê-lo devagar – seu corpo se torce ocupando todo o espaço entre parede e corrimão, como a água toma o espaço do copo que a contém. Àquela figurona forte e surpreendente, basta dizer “cachorro legal”, para que se achegue e encoste a cabeça, em busca, ou em oferecimento, de carinho. Alisando-o à procura dos olhos submersos no pelo, desejei muito ver Colapso entre ovelhas, exercendo a antiga sabedoria da sua raça.
Eu disse sabedoria, não disse instinto. Pergunte algo sobre inteligência canina a Umberto Eco, e ele rebaterá com uma saraivada de nomes latinos, sábios da mais alta competência que já antes de Cristo consideravam os cães capazes de raciocínio lógico. Plutarco foi além, e em seu livro sobre a astúcia dos animais disse que realmente o raciocínio deles não é perfeito, mas que essa mesma imperfeição pode ser constatada em muitos seres humanos.
Traduzi uma vez um livro de Konrad Lorenz. Taí um homem que entendia de animais, e sobretudo de cachorros. Entendia tanto, que fundou uma ciência, a etologia, só para estudar o seu comportamento e a sua adaptação aos humanos e ao meio ambiente. E ganhou um Nobel por isso. Lorenz afirma que, embora sem falar nossa língua, os cães a entendem muito mais do que pensamos. Não se trata de entender só pela entonação. Eles distinguem palavras e nomes próprios pronunciados exatamente no mesmo tom. E mais, segundo Lorenz, um cão inteligente, que tenha uma relação afetiva intensa com o dono, é capaz de entender frases inteiras.
Não ganhei nenhum Nobel, mas sempre acreditei no entendimento dos cães. A minha interrogação a seu respeito é outra, e não desprovida de angustia. O que pensam? Olho minha cachorrinha e me pergunto em que parte profunda de seu sentimento estão gravadas as florestas do Yorkshire de onde vieram seus antepassados. Aliso Colapso e penso que talvez soubesse reconhecer ovelhas, se apenas as visse. Eles me olham sem falar, e diante desse olhar me sinto incompleta como os humanos de Plutarco.