Estado de Minas S entada no aeroporto à espera da saída do meu vôo, observo as pessoas que passam, ou melhor, observo a roupa das pesso...
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Não é curiosidade, é fascínio. Encanta-me acompanhar a minúcia das escolhas, o bote certeiro com que cada um pescou no labirinto das escolhas a peça que, entre tantas, lhe pareceu perfeita para si. Por que essa, e não outra, me pergunto.
Calças justas de falso couro vermelho, jaqueta de couro igualmente falso de um vermelho mais claro e ainda mais vibrante, bolsa grande amarelo limão, sapatos de plataforma. O que terá induzido essa senhora magra mas entrada em anos, de longas madeixas louras mas oxigenadas, a coroar o conjunto chamejante do traje com o berro estridente da bolsa? Certamente hesitou diante do espelho, empunhou outra mais discreta, pareceu-lhe pouco, tentou mais uma, e sorriu enfim satisfeita visualizando-se com a que agora carrega.
Uma após a outra, desfilam à minha frente as mais enlouquecidas bermudas. Em algum momento, decretou-se que bermuda era vestimenta masculina valida para qualquer ocasião. Em outro, ficou convencionado que melhor se fossem estampadas. E num vago e malfadado ponto entre um e outro, abriu-se a porteira admitindo-se qualquer corpo e qualquer idade. Senhores que há poucos anos estariam usando discreta calça cinza ou bege, agora passam por mim rumo ao portão de embarque com o traseiro florido de hibiscos, ou verdejante de palmeiras. Barrigas enormes se debruçam sobre as meias-pernas largas e cheias de bolsos. O xadrez só é bem vindo se for grandíssimo. Estampas geométricas rivalizam com listas, a imaginação mais delirante faz das bermudas sua vitrina.
Quem disse que onça é animal em extinção?! Na selva, talvez, mas não no aeroporto. Aqui, os felinos imperam. A jovem formosa, embora abundante, vai de onça da cintura para baixo, equilibrando sobre saltos altíssimos o legging acetinado – rio internamente, pensando que ficaria bem mais divertido se acrescentasse uma cauda. A senhorinha prefere onça na blusa, com fios dourados. Para a mocinha ficou na jaqueta. O jovem de dreadlocks carrega a fera na mochila. Há onça nas bolsas, nos cintos, nas sandálias. E para meu deleite, eis que passa uma pluri-onça, mulher de vestido rodado composto por grandes quadrados de estampa oncídea, cada um de uma cor.
Perdido ficaria o zagaieiro, antigo caçador de onças do Pantanal, que com o auxilio de cães perseguia a fera até vê-la buscar refugio no galho de uma árvore, empunhando então a zagaia - espécie de longa lança- e atiçando o bicho para que lhe saltasse em cima, e encontrasse a morte. Desnorteado em meio à invasão de pintas pretas em campo amarelo- e roxo e verde e azul- , acabaria sentado num banco com a zagaia no colo, olhando as suas antigas inimigas que arrastam malinhas.
Meus olhos sentem falta de alguma serenidade em que pousar, da possibilidade de percorrer levemente a multidão, sem incorrer em susto ou sobressalto. Nada mais delicioso do que exercer a criatividade e a livre escolha diante do armário, mas é delícia individual, que pode conduzir o conjunto à beira do caos. E pergunto a vocês se essa livre escolha é mesmo livre como acreditamos, ou se estamos apenas embaralhando as cartas que moda e mercado nos põem na mão.