Marina Manda Lembranças C heguei de Bologna, e logo fui procurar nos jornais da minha ausência a repercussão da presença do Brasil como...
Marina Manda Lembranças
Ser pela segunda vez pais convidado de honra em Bologna não aconteceu pelos nossos belos olhos. Foi resultado de um longo trabalho diplomático/cultural que incluiu nossa presença em Frankfurt no ano passado, e nossa presença em Paris no Salon Du Livre do ano que vem. São operações caras, que envolvem muita gente e demandam muito esforço, e que, ao contrario do que se crê, não têm como meta vender livros. O que se pretende é oferecer ao mundo uma nova imagem do Brasil, algo mais do que carnaval, biquínis, futebol e caipirinha.
Martha Suplicy esteve em Bologna, fez um belo discurso inaugural, tendo a delicadeza de lê-lo em italiano. Autores, ilustradores, editores e agentes estiveram em Bologna fazendo palestras, compondo mesas redondas, tendo encontros de trabalho, alardeando a qualidade da nossa literatura. O Brasil foi, em Bologna, um país sorridente que se sabe bom naquilo que faz. E Roger Mello ganhou para todos nós o premio Andersen de ilustração.
Mas a imprensa não considera que uma feira de livros infanto-juvenis seja de grande importância.
Que bela é Bologna! Consegue ser sedutora mesmo com um certo frio, uma certa chuva, e até uma rápida tempestade de granizo. Foi concebida para isso, toda em arcadas, para que fosse possível atravessá-la sem ser atingido por chuva ou neve. E aquela repetição de arcos e colunas forma longos corredores vazados, joga com a perspectiva e com a luz, sempre cambiante e sempre acolhedora.
Duas coisas diferentes das que já conhecia vi em Bologna nesta viagem.
Uma, a exposição de quadros do Museu Mauritshuis, de Haia. Alguns Rembrandt, um Frans Hals. Naturezas mortas. O estupendo retrato de Ernestine Yolande, Princesa de Ligne, com a grande gola branca em que o rosto parece pousado como ovo no ninho. E um quadro belo e doloroso, modesto retrato de um pardal preso por uma pata a um poleiro de parede, pintado, creio que no seu último ano de vida, por um pintor que pouco pintou porque pouco tempo lhe foi dado, Fabritius. Jóia maior da exposição, A Moça com Brinco de Pérola, de Vermeer.
A segunda coisa bonita que vi foi um mínimo cartaz. Há muitos anos a Basílica de San Petrônio, diante da qual se abre a Piazza Maggiore, está em restauração. Deve ser destino. Essa igreja colossal nunca foi acabada. A fachada só chegou a ser revestida de mármore até acima do alto portal central. O resto ficou no osso, tijolos escuros. O dinheiro, o tempo, ou a política não permitiram que o revestimento se completasse. E agora, há anos, está sendo restaurada. Foi junto à entrada que vi o cartaz. Fazia apelo à contribuição pública dizendo: “Adote um tijolo”, e trazia a foto de um pedaço da fachada nua, em que um tijolo havia sido cercado em vermelho, e numerado.
Pensei então na Feira, naquelas pessoas todas andando pelos estandes e corredores. E me pareceram tantos tijolos numerados, cada um em seu lugar, elementos de uma grande e lenta construção que não se busca terminar, mas sempre levar adiante.