Marina Manda Lembranças N ada adverte para o inesperado. Assim chegou aquela súbita presença no jardim do terraço, sem dizer a que vinha...

Marina Manda Lembranças
A pergunta maravilhada e inevitável : como consegue fazer isso?, não pretendia resposta. O casulo era feito de minúsculos pedacinhos de madeira, talvez fragmentos de hastes do canteiro, ou de galhinhos, superpostos e crescentes. Pareciam medidos com régua, cortados a gilete. Precisos. Tento recriar o que via: para começar, três fragmentos – como vigas de suporte- entrecruzados; acima desses, outros quatro, maiores; depois talvez fossem seis; depois oito ou nove; e assim por diante, com a dimensão das “vigas” aumentando proporcionalmente. Engenharia impecável.
Enfim, o casulo crescia em forma de fuso, embora construído com segmentos retos. E uma espécie de filamento, em que se entreteciam infinitesimais pedacinhos de folha, constituía, digamos assim, o tecido conjuntivo, ou, para ficarmos na linguagem da construção, a argamassa.
Resultava um conjunto cor de mato seco que, preso à folha por um pedúnculo muito mais delgado do que aquele que prendia a folha ao ramo, ondulava à brisa.
Durante alguns dias acompanhamos seu crescimento como quem aconchega no olhar um filhote. Um milagre da natureza nos havia sido concedido, e diante dele nos curvávamos encantados.
Uma sobrinha, jovem engenheira florestal, veio nos visitar. “Que raro – disse com profissional surpresa quando a apresentamos ao casulo – criaturas da floresta ( acho que disse assim mesmo, “criaturas da floresta”) não costumam aparecer na paisagem urbana”.
Crescia, nosso inquilino inusitado. As folhas ao redor começaram a ficar rendilhadas, deduzimos que fossem seu alimento, além de seu material de construção. Mas como e quando se alimentava, trancado que estava em sua casa como se em um ovo? Já não o examinávamos com tanta constância.
Em algum momento, pontos escuros no chão indicaram seus excrementos. Alongando-se, o casulo fazia-se mais claro. E percebemos que, se porventura aproximássemos dele o dedo – sem pretender tocá-lo, é certo – movia-se imediatamente, em retração. Quem quer que estivesse ali via, através daquela parede esbranquiçada como um véu. Mas quem, estava?
Nossa ilusão primeira, de uma larva que se transformaria em borboleta, já havia se diluído quando descobrimos o segundo casulo. Tão inicial, tão escondido no reverso de uma folha, que parecia apenas uma coisa seca. Não era. Nem era apenas o segundo. Outros foram se revelando à medida que, alertados pelas folhas roídas, empreendemos uma busca mais rigorosa.
Uma colônia de casulos se expandia em nosso canteiro, e algo tênuamente assustador crescia com eles. Sem saber que habitantes eram aqueles, tampouco nos atrevíamos a verificar, abrindo com lâmina um dos casulos, e pondo fim a uma vida. Respeitávamos a natureza, embora suspeitando que ela não abrigasse idêntico sentimento a nosso respeito.
Tudo porém tem seu limite, e chegamos a um ponto em que se tornou necessário dar um fim no assentamento. Sem feri-los, recolhemos os casulos um por um e os jogamos entre lixos e matos, entregando-os à sua própria capacidade de sobrevivência.
Um único deles deixamos pendente. O maior, pretendendo ver o que aconteceria com o completar-se do crescimento, que criatura, rastejante ou alada, sairia do tecido enfim rasgado. Com o pingente solitário, nosso jardim pareceu recuperar a serenidade.
Era só aparência. Hoje mesmo descobrimos nova colônia. Expande-se em outro canteiro, oculta como se intuísse o risco, populosa como se determinada a vencê-lo.