Marina Manda Lembranças C idade do meu bem querer é Belém, com a abundância frondosa de suas mangueiras, a delícia quente do tacacá, a so...

Marina Manda Lembranças
XVIII Feira Pan -Amazônica do Livro, este ano dedicada ao Qatar. E que multidão passeando entre os estandes! 40 mil pessoas por noite. Novidade e atração, além de tantos novos títulos, de alguns novos autores, da programação grandemente voltada para o Oriente, a tenda árabe montada e organizada pelo país homenageado, inaugurada pelo Embaixador.
Só a vi do alto, do andar do auditório, que nem tempo para dar um giro lá em baixo me sobrou, e surpreendeu-me fosse preta – não nos foi dito sempre que o preto absorve a luz solar? Mas era ampla, com as abas laterais erguidas para permitir a entrada do público, pousada sobre estacas como o estaria no deserto. Minha imaginação pedia um camelo que, certo, não podia haver. Mas havia músicos, comidas, em algum momento certamente houve danças, e havia, para alegria feminina, uma mulher que tatuava com hena a mão das mulheres.
Em Marrackesh, na praça Djema el Fna, entreguei minha mão a uma dessas tatuadoras, para que a vestisse com uma luva de flores e arabescos, delicada renda que vai sendo traçada com uma fina haste de madeira embebida na hena. Não seria, é claro, tão rebuscada como aquelas que as noivas trazem nas duas mãos no dia do casamento. Mas vê-la surgir aos poucos sobre a minha mão clara, teve algo de jogo e algo de mistério.
Há que deixar secar a pintura durante algumas horas. Só depois pode ser lavada sem que saia. Desbotará lentamente ao longo dos dias, como uma carta manuscrita exposta ao sol. Vai-se o desenho, fica a recordação.
Em Belém, todas as moças da organização da Feira tinham a mão tatuada de flor. E sorriam amplas ao mostrá-la.
Também Elza Lima, a estupenda fotografa, me mostrou a mão esquerda com seus desenhos vermelhos. E me contou que um grupo de índios, presente à Feira para uma apresentação, havia ido visitar a tenda do Qatar. De tantas coisas ali expostas, o que mais os seduziu foi a pintura na pele com hena. Eis que aqueles artistas da pintura corporal se deparavam com um novo produto e novos desenhos. Olhavam, cochichavam, se debruçavam para ver melhor. Imaginemos a cena , os índios seminus com cocares e pinturas tribais, ao lado das figuras árabes todas tapadas pelos longos balandraus, a cabeça coberta pelo pano branco da cafia. Duas culturas tão distantes, tão diversas, selva e deserto, subitamente unidas por um traço de hena.
Mas a pintura corporal dos nossos índios, me garantiu Elza, dura mais. Ela própria , certa vez, teve as pernas pintadas durante uma visita profissional a uma tribo, e durante semanas não pode usar saias porque a tinta, a preta, não saía.
Pensando bem, surpreende que em tempos de tatuagens indeléveis, não haja quem opte por pinturas corporais , mais ligadas às nossa raízes, igualmente decorativas, e podendo ser prazerosamente mudadas de acordo com o estado de espírito ou a moda. Seria uma bela novidade a incluir na imagem do Brasil.