Marina Manda Lembranças D iferente é, nesses dias de Copa, o supermercado que freqüento, mais parecido com aeroporto do que com lugar de ...
Marina Manda Lembranças
Passei por um deles parado, quase estático, no meio do corredor de cosméticos, olhando para o vidro que tinha na mão. Era jovem e moreno, mas sem aquele ar familiar dos hermanos. Porque hesitei percebendo que estava em dificuldade, fez-me tábua de salvação, perguntou se eu falava inglês, se podia ajudá-lo. Qual era o problema? “Isso é um shampoo?! “ perguntou aflito estendendo-me o vidro.
Lembrei-me da famosa crônica de Rubem Braga, Aula de Inglês, em que a professora pergunta indicando um cinzeiro: “Is this an elephant?”. Não! respondi triunfante como o sabiá dos cronistas, aquele vidro não era de shampoo! Pude verificar que a palavra shampoo não estava escrita em nenhum lugar do rótulo. Se estivesse, ele próprio a teria reconhecido imediatamente porque é a mesma em inglês, e havia sido a que ele usara na pergunta. Aquilo era um creme hidratante, informei ao jovem, usando meu sorriso mais inteligente. Os shampoos, de todos os tipos e variantes, estavam exatamente ao lado.
Feita a boa ação do dia, prossegui na minha tarefa de colhedora de frutas, vidros e latas. Porém, mais um gesto de socorrista me esperava adiante.
Passando junto à bancada do bacalhau em promoção, vi outro rapaz, este com cara de indiano, que lutava em vão tentando explicar a um funcionário qual o artigo que não conseguia encontrar. Aproximei-me. “Patter”, dizia o rapaz. E repetia olhando-nos, “patter”. Ou , pelo menos, assim soava.
Tive uma iluminação. “Pasta! – disse para o funcionário – ele quer pasta.” Mas o olhar do jovem falava todas as línguas, não era pasta que ele queria. E tornou a repetir,”patter”, já com o ar desconsolado de quem pede de forma clara uma coisa óbvia, sem que seus interlocutores pouco dotados consigam entender.
Por um instante pensei que quisesse algum raro tempero indiano, alguma coisa de passar no pão, pois num último esforço ele fazia o gesto de quem espalma algo. Olhei para a outra mão, segurava uma bandejinha de queijo fatiado. E eis que, como um relâmpago, aquele queijo acendeu a luz! O que o rapaz queria era manteiga, “butter”, como teria dito a professora de Rubem.
Com quanto alivio sorriu quando o levei até o balcão dos laticínios, que estava a exatos quatro passos!
Em bloco, os homens ficam menos desamparados, e bem mais ruidosos. Sobretudo se vestem camisas de torcedor, que em tempos de Copa tornam-se algo entre a bandeira do herói e a couraça do paladino. Andam frequentemente com celular em mão, não sei se conferindo preços, ou se assegurando-se do rótulo, ou utilizando algum aplicativo que desconheço. E fazem longos conciliábulos ao redor de coisas simples, como uma caixa de cereais ou um pacote de torradas.
Mas não só homens mudam, esses dias, a freqüência do supermercado. Estava eu acabando de pagar na caixa, e já vinha atrás de mim uma jovem mãe oriental com suas três crianças. “Arigatô”, disse o funcionário, feliz de conhecer pelo menos uma palavra na língua daquela gente. “Eles não são japoneses”, adverti. “E o que são, se tem olhos apertadinhos?” “Muitos povos tem olhos apertadinhos. Poderiam até ser chineses”. “Ah, então é isso – disse ele reconfortado- são chilenos”.