Marina Manda Lembranças P assei a manhã de faquinha em punho, limpando, raspando, tratando um limoeiro siciliano com cujos frutos faço o ...
Marina Manda Lembranças
Faz muito tempo, quando o melão ainda era uma iguaria rara nas mesas brasileiras, um amigo meu, coronel da aeronáutica envolvido com o episódio de Aragarças (corrida rápida ao google), foi enviado, mais justo dizer degredado, para Belém. Era muito longe, muito isolada Belém, naqueles idos. Mas comia-se melão. Ele, com família, pouca ou quase nenhuma atividade profissional, e com um jardim, pensou logo em fazer uma plantação doméstica de melões. Preparou o solo, comprou as sementes, plantou conforme as instruções, e ficou esperando, já com água na boca. Brotos, plantinhas, proliferar dos ramos tentaculares das plantinhas, rastejar entrelaçado, e, sob as folhas, o surgir dos primeiros frutos pequenos e verdes. Tudo conforme o desejado. Todo dia meu amigo ia controlar o crescimento promissor, o verde cedendo espaço ao amarelo. Mas eis que quando os melões estavam quase maduros começaram, um a um, a apodrecer. Um inseto noturno roía o talo, separando-os da vida. E no entanto, havia melões à venda, produzidos por uma família de japoneses. Meu amigo foi até a plantação dos nipônicos, perguntar como conseguiam a façanha. E eles explicaram: era simples, cada membro da família passava uma noite em claro, lanterna em punho, percorrendo com a luz todos os talos da plantação, e esmagando os insetos roedores.
Antes de tornar-se ator, meu pai teve uma fazenda perto de Angra dos Reis. E ao transferir-se para lá surpreendeu-se vendo que nenhum dos trabalhadores que ali moravam tinha horta ou plantava qualquer coisa para consumo da sua própria família. Comentou comigo: “tem tanto chão, por que não plantam? – e acrescentou – Vai ver, não gostam de verduras”. Ele, porém, como bom italiano, decidiu logo fazer uma horta para si, a fim de comer salada. Não preparou o solo pessoalmente porque não entendia nada disso, mas mandou preparar, comprou as sementes, mandou plantar, e ficou à espera, a boca já salivando. Mal apareceram os primeiros brotos tenros, as formigas se apresentaram para o banquete, devorando tudo. Meu pai não era um homem especialmente determinado, mas gostava de uma boa mesa e era amante de salada. Tentou mais uma vez, as formigas só não bateram palmas porque não fazia parte do seu código de comunicação. Meu pai, então, providenciou pneus velhos que, cortados ao meio e cheios de água, rodeariam as plantinhas que haveriam de crescer de novas sementes. Dessa vez, as formigas não se atreveram a atravessar aquele fosso medieval sem ponte levadiça. As plantinhas cresceram. Meu pai, entusiasmado, plantou também couve. As couves cresceram. E quando tudo estava em ponto de ser comido, foi colhido, na calada da noite, por mãos anônimas e alheias. Os trabalhadores da fazenda gostavam, sim, de verduras. Só não gostavam de plantá-las e de lutar contra as formigas.