Marina Manda Lembranças S ábado de manhã, dia de sol, andávamos em Ipanema e, cruzada uma esquina, passamos pelo Chico. Chico é persona...
Marina Manda Lembranças
Paramos, conversamos um tanto, pedimos notícias de amigos comuns, relembramos Caio Mourão, o insubstituível joalheiro. Prometi levar-lhe mais livros — promessa que ainda não cumpri, e que ele certamente já esqueceu — e fomos adiante.
Dez passos mais, lá estava Anamaria com suas flores no cabelo e seu sorriso. Anamaria é a "Mulher de Branco", que um documentário feito em 2009 pelo jornalista Chico Canindé, tornou conhecida fora das fronteiras de Ipanema. Aqui, ela sempre foi conhecida de todos, desde os tempos da bossa nova, quando era jovem, bela, e cantava. Depois, vestiu-se durante muitos anos de branco, só de branco, que a partir de certo ponto trocou por cor de rosa, e agora, já faz tempo, por azul. Só azul. Menos nas flores de pano com que enfeita a cabeça. Gosto de parar para falar com ela, saber como vai, trocar dois minutos de carinho. E, já lhe disse mais de uma vez, nunca passo pela sua casa — um apartamento térreo em prédio pequeno e antigo — sem verificar se a luz está acesa ou a janela aberta, jeito ingênuo de verificar se ela está bem. É tão perigosa a rua! E Ana Maria anda o dia inteiro, de uma rua a outra, falando com as muitas pessoas que conhece, com algumas que nem tanto, ou sozinha, vagando no cosmo, olhando o mar.
Estávamos parados falando com ela, e eis que o Chico veio vindo para arrematar o encontro em que algo havia ficado faltando. Sorria cheio de esperteza, segurando uma revista. Era um exemplar da revista Azul.
Sei que existe hoje uma revista Azul, mas não era a que estava na mão de Chico. A que ele segurava foi somente um piscar de olhos editorial. Uma revista criada há mais de dez anos pelo jornalista Cal Gomes, que pretendia falar de Ipanema, e falou, mas numa única edição. O dinheiro só deu para fazer o 1º número. O entusiasmo teria sido suficiente para muitos mais, mas não apareceram anunciantes, e a revista que parecia tão promissora fechou.
Pois era essa a que Chico trazia, um raro exemplar da edição única, que abriu na nossa frente, para mostrar a reportagem em que ele era abundantemente citado. O autor da reportagem era Ezequiel Neves.
Zeca Neves, outra figura de Ipanema, embora importado de Minas. Zeca Neves, o irreverente, amigo íntimo de toda a música popular brasileira, cognominado "O vovô do rock". Produtor de todos os discos do Barão Vermelho, guru e parceiro musical de Cazuza, gabava-se — e era verdade — de ter escrito para a revista "Rolling Stones", e de ter tomado todas as drogas.
O dia havia avançado menos de meia hora, enquanto nós cruzávamos várias décadas. Caio, com os cintilar dos medalhões de prata que todos almejavam, Cal e sua meteórica revista, Zeca, levando no bolso a engenhoca chiquérrima para aspirar cocaína, Cazuza, todos haviam passado ali, na Barão da Torre quase esquina com Farme de Amoedo, como passavam antes a caminho da praia ou do bar. Ficávamos nós, sobreviventes de uma Ipanema que também se foi, e que com nosso bem querer mantínhamos viva naquela manhã de sábado.