Marina Manda Lembranças E sta semana, enquanto o assalto à Petrobrás não para de crescer convocando nossa atenção, roubaram o punhal da ...
Marina Manda Lembranças
Estátua é bom, porque tem endereço fixo - e é melhor que fiação porque não dá choque. Rouba-se uma vez, espera-se a restauração, e volta-se lá. É a terceira vez, nos últimos dois anos, que levam o punhal do homem. O escultor Edgar Duvivier, que tinha refeito este, se oferece para fazer outro. Sugere-se não quebrar o molde.
O petróleo grosso das delações premiadas, da corrupção ativa e passiva, dos laranjas e das offshores entorna no meu colo, fecho o jornal e vou à feira em busca de laranjas mais honestas.
Passo pelo Chafariz das Saracuras. Era para ele estar seguro no pátio do Convento da Ajuda onde o queriam as freiras que o encomendaram a Meste Valentim. Mas o convento foi demolido, o chafariz foi doado à prefeitura e colocado na Praça General Osório, em Ipanema. Era 1911. Desde então, as quatro saracuras e as quatro tartarugas de bronze do chafariz vão e vêm como se vivas. As saracuras são mais migrantes, não por causa das asas mas porque aquelas patinhas finas as tornam mais fáceis de arrancar. As tartarugas, bem chumbadas na pedra pela barriga, ficam por algum tempo. Às vezes, restauradas, voltam todas. Mas o naipe raramente está completo. Hoje vi uma única tartaruga curtindo solidão.
A prefeitura contabiliza cerca de 40 furtos desses por ano. Arredondando, chegamos a um por semana. O furto dos óculos de Drummond já se tornou tão tradicional quanto as selfies que os turistas tiram com a estátua do poeta. E, não demora, a haste do violão que Tom Jobim carrega no ombro terá o mesmo destino.
O grande larápio diferencia-se do ladrão de galinhas apenas pelas quantias e pelos ternos bem cortados, ma o princípio é o mesmo. E ouvindo ecoar nos meus ouvidos a frase basilar do presidente do Bird ,"A corrupção é endêmica no Brasil", me pergunto se teria essa epidemia começado com o Caiuajara dobrunskii, pterosauro que há 80 milhões de anos habitou nosso país.
Pesquisas recentes nos dizem que 70% dos brasileiros não acreditam que Dilma nada soubesse do que estava acontecendo no seu quintal. Sobram 30% que acreditam, fora a porcentagem - que no momento desconheço e não vou procurar - dos que não sabem.
Ora, Dilma se elegeu com 51,64% dos votos. Podemos acreditar que mais de 20% dos que votaram nela, quando já estava rolando o pós-sal da Petrobrás, votaram acreditando que ela sabia. E votaram assim mesmo. Se na madrugada roubo o punhal de uma estátua, não me cabe indignação - ou devo dizer "repúdio", para ficar no clima? - pelo furto dos dinheiros públicos, e sim admiração.
Não se trata aqui da pessoa Dilma e dos seus bemfeitos, pois sem dúvida os há. Trata-se da situação em que essa pessoa estava inserida naquele momento. Ou devemos crer que olhos e ouvidos daqueles mais de 20% ainda não haviam sido abertos, apesar do noticiário, e eles votaram em um passado conhecido em vez de se inquietar com o passado e presente que estava sendo revelado?