Marina Manda Lembranças O braço dos humanos — em geral o direito — acaba de crescer cerca de um metro. É o "pau de selfie"...
Marina Manda Lembranças
Vivemos inicialmente — e continuamos vivendo — a febre dos selfies. Depois vieram os butt-selfies, ou autorretratos dos glúteos, talvez retrato dos autoglúteos, com técnica ensinada na internet, quantos graus de distância do espelho, como obter o efeito magnificante projetando a parte em questão e retraindo o resto. Seguiram-se os car-selfies, tirados dentro do carro, com todos os passageiros incluídos — quando, a meu ver, deveria chamar-se else-selfie. E agora chegou o extensor.
Não há dúvida, o papel social da fotografia tornou-se outro.
Penso nas fotos dos emigrantes europeus frente às casas que acabavam de erguer em sua nova terra. Ou nas fotos dos avós, lado a lado em suas molduras ovais, na parede da casa modesta. Ou ainda na foto, em casa burguesa, da filha de véu e grinalda no dia do casamento. Eram fotos emblemáticas, de pessoas essenciais à identidade daquela família, ou registro dos momentos em que a vida havia marcado um novo rumo. Eram fotos que pretendiam fixar pontos determinantes do percurso de cada um. Fotos de permanência.
E eram privadas, patrimônio familiar, a transmitir como se transmite o DNA. " Esses — diziam as fotos — somos nós. Assim é a família à qual você pertence. Aqui está parte de você".
As fotos não eram muitas, porque eram caras. E não eram muitas porque a abundância era conceito que ainda não havia sido transformado em dever.
Tenho poucas fotos de infância. Embora meu pai gostasse de fotografar — até o fim da vida falaria com encantamento da Leica que usava naquele tempo — eram anos de guerra, raramente ele estava presente, e quando estava as preocupações eram outras. Nem por isso minha infância parece menor. E, se sinto falta de algum registro, é apenas da casa que tivemos em Tripoli, porque da nossa estada naquela cidade só sobrou a memória, e minha memória aos quase quatro anos era ainda muito reduzida.
Com o sistema digital — que economiza não só a película como toda uma parte do processo — e sobretudo com o celular, a foto passou a ter outro significado.
Não mais a permanência. As fotos que tiramos constantemente, em toda e qualquer circunstância, do fato alheio ao prato de comida, não são para guardar. Guardamos, sim, no poço escuro e sem fundo do computador ou no esquecimento da própria câmara, mas não para isso as tiramos. Nossas fotos não se destinam mais a conservar o passado. O que pretendem é registrar um presente sempre em movimento, como fotogramas de um filme. São fotos de mobilidade. Por isso, tantas, uma após a outra, sem parar.
Nem são privadas, nada a ver com o DNA. Se, ainda que simbolicamente, alguma foto se pendura na parede, que seja em parede alheia. Não queremos saber quem somos, queremos que os outros saibam. E para os outros nos fotografamos sempre sorrindo, com belas paisagens ao fundo, agora ampliadas pelo extensor de selfie.