Marina Manda Lembranças H á momentos em que sentimos falta de um amigo que já se foi, porque teríamos uma coisa específica a contar-l...
Marina Manda Lembranças
Eu telefonaria e diria, Rubem, já sei o que se dá de comer a um filhote de pombo. E mais, aprendi como a mãe lhe ensina a voar.
Rubem, o homem-sabiá, responderia então com sua voz um pouco arrastada, um tanto embolada, contente de ganhar mais um conhecimento ornitológico, mas com aquele seu jeito de não dá-lo a saber.
O que filhote de pombo come descobri tendo que alimentar um, conforme está contado no meu livro Breve História de um Pequeno amor. Não chega a ser um conhecimento relevante. Mas a aula de vôo acaba de me chegar, como se voando, pela internet. Quem me conta é minha especial amiga Myriam Giambiagi, e transcrevo abaixo sua mensagem (traduzida, porque ela me escreveu em italiano, nossa língua comum):
"(....) Não sou Rubem Braga, mas posso te contar alguma coisa dos métodos pedagógicos das mamães pombas, por ter apreciado uma cena preciosa da janela do décimo primeiro andar, na esquina da Prado Junior com a praia, há alguns anos. Uma pomba voava levando o filhotinho nas costas e de repente se lançava para baixo. O bichinho movia as asinhas do jeito mais sem jeito do mundo, e logo ela o acolhia de novo nas costas e subia novamente, exibindo para nós a sua sabedoria. Fez isso diversas vezes, portanto era evidentemente um sistema. Depois foi embora, sempre levando o filhote nas costas, com um ar de "por hoje chega, amanhã a gente tenta outra vez".
Eis aí porque nunca vemos essa aula. Ela se dá longe dos nossos olhos, em pleno ar, assim como é no chão que as mães humanas ensinam seus filhotes a andar.
E foi no chão, que esta semana vi outra cena de pombos. Vinha eu já saindo da feira — sim, faço feira toda semana — prestes a cruzar pela barraca de "pastel e suco de cana" que marca sua fronteira numa das esquinas da praça, quando deparei com eles. No espaço livre da calçada, vários pombos disputavam a golpes de bico pedaços de pastel ainda brilhantes de gordura. Era a junk food chegando ao reino animal.
O perigo é que pombo se vicia fácil. Leio no jornal que os princípios da "caixa de Skinner"estão sendo utilizados para aplicar aos humanos os mecanismos do vício.
A caixa foi inventada por Frederic Skinner. Coloca-se dentro dela um pombo. Não há tigelinha de comida. Logo, o pombo descobre que para comer precisa puxar com o bico uma alavanca. Se o sistema for regular, alavanca=comida, o pombo economiza esforços e só a puxa quando está com fome. Se, ao contrário, a comida só aparece eventualmente apesar das puxadas de alavanca, o pombo se sente ameaçado pela possibilidade de fome e, para se garantir, recorre a ela seguidas vezes. Está estabelecida a compulsão, ou seja, o vício.
Diante disso, não sei o que devo desejar. Que nem sempre haja pedaços de pastel na calçada, levando os penosos ao vício mas protegendo-lhes o estômago. Ou que toda semana os haja, impedindo o vício, mas garantindo a alta de colesterol.