Marina Manda Lembranças E stávamos indo à posse do Zuenir. De táxi, que estacionamento na ABL naquela noite, nem pensar. Saímos de Ipa...

Marina Manda Lembranças
Já estávamos no meio do Aterro quando ele contou aquilo que guardava mais fundo: além de trabalhar, trabalhar, trabalhar a única outra coisa que o pai fazia era bater na mulher. Ela tinha apanhado muito, e calada. Ele não lhe dava nada além das surras. E ela, ali, quieta.
— Apanhou muito. Quando meu pai morreu, minha irmã disse: "ainda bem que ele morreu primeiro, porque se a mãe vai na frente, ele ia ter a pior inimiga que alguém pode ter nesse mundo, eu."
Agora iam deixar os bens todos do pai para essa mãe abnegada. Que tivesse conforto, folga para se divertir. E prosseguiu:
— Naquele tempo era assim mesmo, tudo quanto é mulher apanhava. Por isso fizeram a Lei Maria da Penha, porque se não tiver lei, se não tiver cadeia, homem bate mesmo na mulher.
Estávamos quase chegando. E ele aproveitou a pausa gerada por um sinal vermelho para contar que também ele e a mulher, no começo do casamento, haviam tido uns "enfrentamentos".
— Não vou dizer que não, tivemos mesmo. Alguns. Mas aí eu me lembrei dos meus pais e falei para ela que ou a gente acabava com as agressões, ou as agressões iam acabar com o nosso casamento.
Ainda deu graças a Deus por ter conseguido acabar com a violência e continuar casado. Depois, freou. Estávamos diante da Casa de Machado de Assis.
Tivéssemos ido mais longe — e tivesse ele aberto brecha na conversa — eu teria lhe dito que, apesar da ameaça representada pela Lei Maria da Penha e apesar da cadeia, os homens continuam batendo nas mulheres, talvez tanto quanto seu pai batia na sua mãe. Agora, porém, ao contrário do que acontecia com a sua mãe que se sabia desprotegida, algumas se queixam. E por causa das que se queixam ficamos sabendo que em 2014, só no nosso estado, houve 94 mil novas ações de violência contra a mulher.
Já temos promessas federais da criação de 27 Casas da Mulher, onde as múltiplas formas de atendimento — policial, jurídico, médico, psicossocial — seriam prestadas num único lugar. Por enquanto há uma só em todo o país, a Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Ali, desde a inauguração, foram atendidas 582 vítimas de violência. Detalhe: a inauguração foi no dia 3 do mês passado.
Se alguém tivesse perguntado ao pai do taxista o que ele achava de homem bater em mulher, é possível que, como 91% dos homens aos quais essa pergunta foi feita, respondesse que "bater em mulher é errado em qualquer situação." Entretanto, a cada 2 minutos, 5 mulheres são espancadas no Brasil. E como a mãe do taxista, a maioria delas enfrenta essa provação semanalmente, quando não todos os dias.
A cada ano, quando o Dia Internacional da Mulher bate o ponto, como aconteceu na semana passada, voltamos a esses dados. E eles só fazem aumentar. Na última medição, estávamos em uma mulher assassinada a cada 1h30, ou quase 6 mil por ano, o que nos coloca em 7º lugar no ranking internacional. Alguma esperança de melhora para o ano que vem?