Marina Manda Lembranças D epois de amanhã, será o último capítulo desta quinta rodada de Downton Abbey. Haverá uma sexta, a estrear na...
Marina Manda Lembranças
carregar a sua personagem, pois todas as histórias podem ser levadas adiante, e a Segunda Guerra que já se aproxima da vida do castelo daria assunto para muitos capítulos.
Não acompanho séries, vejo, se tanto, um ou outro capítulo de algumas delas, sem entender grande coisa pois desconheço o enredo. Dessa, porém, que segui com fidelidade desde o início, sentirei falta. E me pergunto porque.Há, na apresentação, um take que me parece revelar o encanto de Downton: alguém que não se vê, mede com uma régua a distância entre os talheres postos à mesa dos lados do prato. Parece um excesso pernóstico, mas é a visualização de um princípio, o princípio da exatidão ao qual toda a série obedece. Os diálogo, os gestos, os cenários e figurinos, tudo é exato, nada transborda ou se desgarra. A régua que não vemos mede e marca com precisão cada medida.
E há outro significado naquele take: o respeito à norma e à tradição. Se perguntássemos a Carson, o mordomo com certeza nos responderia com seu tom empolado que desde a chegada dos talheres às mesas da Inglaterra, a justa medida entre eles é aquela observada no castelo de Lord Grantham. O respeito à tradição não é vivido pelas personagens de Downton como aprisionante, mas sim como um laço identitário que os faz — ou os mantêm — ingleses.
Sentirei falta da elegância de Downton. Tudo o que costuma acontecer em novelas e seriado aconteceu ali. Tivemos estupro e traição, atos de covardia explícita, sexo, morte, assassinato, sedução, filha bastarda, decadência econômica e histórica, homossexualismo, poder e sujeição, chantagem, ideologia, luta de classes, antisemitismo, mudanças históricas, e vários capítulos de guerra com direito a explosões, trincheiras, cadáveres e longas cenas de hospital. Mas, ao contrário de outras séries, tudo aconteceu sem que fosse necessário mostrar os dentes afundando em carne viva. E quem assistia não lamentou a falta de gosto de sangue na boca.
Downton é uma série de ação, sem ação. Os críticos de televisão vez por outra reclamaram, dizendo que em muitos capítulos não acontecia nada, apenas futricas de empregados. Pela lista acima — e nem listei tudo — muita coisa estava acontecendo. Mas acontecia sobretudo através dos diálogos comandados pela régua invisível. As futricas de empregados serviram para elaborar as diferenças sociais, e mostrar como em qualquer nível vigora a luta pelo poder alimentada por golpes sujos e jogos de cena. No andar de baixo tivemos também o bom Bates injustamente encarcerado — como em qualquer novela — lutando pela sobrevivência. E o romance de Bates e Anna, tão intenso quanto o de Lady Mary com Matthew Crawley, e tão mais conturbado.
Na sexta temporada, Lord Grantham que já se queixou de dores no peito morrerá. Talvez haja um futuro brilhante de editora para a pobre Edith que já penou tanto. Tom vai para os Estados Unidos. Mordomo e mordoma se casam. Mas é Daisy, a mais humilde do castelo, que ao descobrir a vida e preparar-se para sair do andar de baixo, melhor representa os novos tempos.