Marina Manda Lembranças R ecebo da França um mistério quase policial. Minha amiga, Michelle Bourgea, me escreve, não sem inquietação,...
Marina Manda Lembranças
Mas se dos esquilos se conhece o motivo do desaparecimento — os muitos que havia na costa francesa do Mediterrâneo foram destronados pelos ratos da Coréia, que devoram tudo o que encontram pela frente nos jardins, peras, uvas, ameixas e até laranjas amargas — nada ainda explica a esterilidade suicida dos pinheiros.
Agora os franceses são obrigados a comprar pinoli — muito usados na culinária provençal — bem mais caros, vindos da Espanha. Ou, menos caros e menos saborosos, vindos da China. O que significa que nem tudo está perdido, os pinheiros de outras partes do mundo continuam dando seus frutos. Mas eu me pergunto se os que compro às vezes para dar uma graça à salada ou à "pasta", e têm rótulo italiano, são da mesma família dos que eu comia quando criança, ou se já têm os olhinhos puxados.
Quando, há mais de 40 anos, escolhemos nossa casa na serra, Friburgo era puro perfume de mimosas. Nós também, encantado com aquelas árvores delicadas que pareciam florir pintinhos, desandamos a comprar mudas e enchemos com elas nosso terreno. Que bonito ficava o jardim em tempos de floração! Que gentil o galhinho que eu punha num jarro pequeno sobre a lareira! Durante alguns anos, abril foi o mês com perfume de mimosas.
Depois, galhos decepados começaram a amanhecer sobre a grama. Não muitos de cada vez. Um ou outro, à distância. Pareciam serrados, o corte limpo, regular, serrilhado. O mistério inicial desfez-se quando encontramos uma espécie de besouro ainda empenhado no serviço. Era preto e luzidio, de finas patas e fortes tenazes. Porque ele e seus semelhantes roíam os galhos de mimosa, e só de mimosa, nunca soubemos. Soubemos, isso sim, o quanto eram ferozes, pois colocados dois ou três dentro de uma latinha, pelo caseiro que os catava, atacaram-se uns aos outros, despedaçando patas e carapaças.
Durante uns anos mais, os enfrentamos com inseticida, buscas, e com o plantio de novas mudas. Mas eles pareciam multiplicar-se com determinação bem mais firme que a nossa. E progressivamente desistimos das mimosas.
Muitos devem ter feito o mesmo, porque as mimosas desapareceram de encostas e jardins, abril deixou de ser perfumado, e hoje, nos hortos da região ninguém mais vende arbustos que florescem pintinhos.
Para aonde foram os besouros negros e do que passaram a se alimentar, não tenho idéia. Talvez tenham sido extintos pelo fim do seu próprio alimento. E se os mecanismos de vida e morte da natureza me inquietam, é só porque penso curto, de acordo com meu curto tempo, enquanto ela tem a eternidade pela frente.