Marina Manda Lembranças D omingo, fui comer sushi além da esquina. No caminho passei por um tapume interativo. Todos os tapumes são i...
Fui adiante. Passei por uma mulher sentada com algumas bolsas na breve escada de uma loja fechada. Balançava a perna cruzada, olhava ao redor, estava normalmente vestida. Ao seu lado, uma folha grande de papel trazia escrito com marcador "PRECISO DIERO" , assim mesmo, fonético.
Caminhei mais um pouco, não tanto, e outra mulher estava sentada em degraus, vestida corretamente, agasalhada, farta em carnes, com duas crianças idem. Me pediu dinheiro. Lentamente fiz que não com a cabeça. Ela sorriu como se estivéssemos nos cumprimentando. E de certo modo estávamos.
Não sei aonde essa conversa vai me levar. Sei só aonde me levaram meus pensamentos naquele trajeto tão reduzido. Pensei que o mundo é todo assim, habitado por pessoas que não têm dinheiro, por outras que têm o suficiente, e por aquelas que têm demais. E que todas elas, todas, independente do que possuem, querem mais.
Querer mais dinheiro parece justo para os que pouco tem. Quanto o é para os outros? Mas há sempre filas nas casas lotéricas, e as filas aumentam na mesma medida em que aumentam as apostas, o bolo maior estimulando o desejo ao mesmo tempo em que diminui a chance de satisfazê-lo. A mulher que escreve "PRECISO DIERO" pode ser mais necessitada, mas seu apelo é o mesmo das três pessoas do tapume cujo sonho, talvez o único sonho concreto ou o único sonho que reconhecem é "Ser rico", ou daquela que põe o amor no mesmo nível do $.
A mulher com as crianças, a que me pediu dinheiro de forma tão serena, não parecia precisar de esmola. Mas eu tinha jeito, e era um fato, de ter mais dinheiro que ela. Nada custava me pedir algum. Se eu desse, estava dado, ela teria um pouquinho, bem pouquinho mais do que até aquele momento, e qualquer coisa a mais valia a pena. Se eu não desse, ela não perdia nada do mínimo que tinha. Mais acertado era pedir.
Pediu e eu não dei porque, assim como ela me mediu eu também a medi, e vi que não estava passando necessidade nem era moradora de rua. Ela não ganhou nada. Mas me fez perder algo. Segui caminho pensando nos que pedem e nos que não dão, sabedora de que os que não dão saem sempre piores do que os que pedem — ou deveriam sair. E sabedora também de que não é dando moedas que se resolve a vida dos que não tem, ou que se conserta uma sociedade em que a maioria estende a mão para pedir ou para tomar.
Segui caminho sentindo-me inadequada num mundo onde o sonho legitimado é "ser rico", assim, sem qualificação, ser rico apenas, sem merecimento, ser rico como se é louro ou moreno, sem reflexão, ser rico só para gastar e ter, e mais ter e mais gastar. Um mundo que alimenta o desejo por esse dinheiro que não reparte mas alardeia, como se ser rico fosse virtude. Segui caminho mas o domingo estava mais pesado.