Marina Manda Lembranças O mar está lá embaixo, cor de jade. Não embaixo da janela, mas ao pé dessa falésia altíssima em que me encontro...
Marina Manda Lembranças
Não vim passear — o que seria bom — vim participar da feira literária Flipipa — o que é melhor ainda.
Ontem assisti à mesa de Antônio Cícero e Jards Macalé, sobre Wally Salomão. Depois ouvi , encantada, o depoimento de Eduardo Jardim sobre Mário de Andrade, de quem publicou recentemente a belíssima biografia "Eu sou 300". Eduardo estava secundado por Vicente Serejo, cronista local, com quem discorreu longamente sobre a passagem de Mario por Natal.
Somos assim, giróvagos, troupe de saltimbancos literários que vai Brasil afora , mais do que apresentando os próprios trabalhos, dando vida aos livros e palavra aos leitores. Agora mesmo encontrei Marcelino Freire na mesa do café. Não tomava café. Assim como faço neste momento escrevendo à sombra, com a piscina à frente e o oceano às costas, Marcelino abria seu computador sobre a mesa, cuidando das tarefas profissionais, que nos acompanham não importa aonde estejamos.
Pipa é mais um lugar especial deste especialíssimo país. Uma cidadezinha onde tudo se concentra numa única rua dita “principal". Tudo, significando restaurantes e bares colados um no outro, de ponta a ponta, como se fome e sede se tornassem aqui inesgotáveis. E algumas raras butiques, lembrete de que o corpo precisa também ser coberto. Poucas ramificações saem dessa rua, mais semelhantes a corredores com escadas, já que bares e restaurantes emendados formam verdadeiras paredes laterais. Houvesse algum verde, alguma parreira florida, lembraria a Plaka, famoso bairro de Atenas.
No mais, pousadas. Muitas pousadas, as melhores escondidas em meio à vegetação ou perto da praia. Praias há sete, a do Madeiro, a da Pipa, a do Amor, e as outras cujos nomes não sei. Em todas, o mar, de um verde bem claro e quase leitoso como só vejo no Nordeste, quebra longe em ondas gentis que vêm rolando longamente sobre a areia rasa. É areia dura, para se caminhar sem hora de volta. Olhando aqui do alto, penso que seria ótima para dar “pranchada”.
Pranchada era um quase esporte, uma brincadeira que praticávamos no Arpoador dos anos 50, utilizando pranchas grandes, de madeira pesada. No inverno, quando o mar lambe a areia em véu fino, sem se acumular, jogávamos a prancha para que deslizasse, saíamos correndo e pulávamos em cima dela. Um surf sem ondas, um skate sem rodas. Mas com o mínimo risco de tombo e osso quebrado.
Aqui, porém, ninguém faz pranchada, ninguém joga frescobol, não vejo ninguém nadando no mar. As silhuetas lá embaixo caminham devagar, poucas se estendem ao sol . Tudo induz à lentidão. Talvez seja isso, somado à natureza quase intocada , o que os franceses vêm buscar em Pipa. Há muitos deles aqui, famílias branquíssimas que se atrevem a enfrentar esse sol, mais perigoso que qualquer outro porque disfarçado pelo vento.
Hoje à noite faço minha apresentação, acompanhada por Angela Almeida. Alguns colegas já se foram. Amanhã de manhã, quando eu tomar o caminho de regresso, haverá outros chegando. Mas o marulhar de Pipa vai comigo, pelo menos até o aeroporto ou a próxima viagem.