Marina Manda Lembranças N a portaria do meu prédio, perto do balcão de atendimento, presa no belo tanque de carpas, mora uma raquete....

Marina Manda Lembranças
Moro em Ipanema, ao final de uma rua graciosa, sem saída, que termina na grande rocha sobre a qual se ergue a comunidade do Pavão/Pavãozinho. Pela rocha escorre, constante, um líquido - me abstenho de entrar na análise de sua composição - vindo do alto, que se acumula em um depósito atrás do muro com latadas de jasmins que conduz à entrada do prédio. Os jasmins foram plantados para suavizar o mau cheiro.
Moro no mesmo endereço há 45 anos. E há 45 anos os sucessivos síndicos do meu edifício vêm lutando junto à prefeitura para que se tome alguma medida. A única medida que se obtém, depois de grande insistência, é a retirada da lama acumulada ao fundo do depósito, procedimento denominado "limpeza". A limpeza é muito, muito rara.
Agora mesmo, em plena operação governamental de luta contra o aedes, os meus porteiros se defendem a raquetadas.
A guerra contra o mosquito foi perdida há muito tempo, se é que jamais houve guerra. Mais justo seria dizer que só houve conquista por parte do inimigo, facilitada pela nossa colaboração.
O combate a um mosquito não pode ter início quando ele começa a plantar bebês microcéfalos nas estatísticas do país. Aí já é tarde. Uma guerra que se pretendesse ganhar teria que ter começado dotando de esgoto as moradias, cuidando para que ditas moradias fossem erguidas de acordo com as normas urbanísticas, recolhendo o lixo regularmente, e tornando cada cidadão moralmente consciente da sua importância numa luta que é de todos. Falei em educação? Pensei que estivesse subentendido, mas em certos países nunca está.
Sou do tempo do fumacê. Passava a máquina, as ruas se enchiam de fumaça pestilenta. Se a fumaça eliminava os mosquitos nunca comprovei, mas é fato que nos sentíamos mais protegidos. Hoje, se a máquina passar, sou capaz de nem reconhecer.
Fui, no fim de semana, almoçar em um restaurante que há tempos apelidei Caverna porque, a partir de uma entrada normal, se prolonga pelas entranhas do quarteirão. Pois justamente no fundo, fresco e sem janelas, fui picada por mosquito. Domingo almocei em minha própria casa, no terraço, ar mais que livre,16º andar. Igualmente fui picada por mosquito. No escritório tenho sempre ao alcance um spray assassino. Da nossa família de quatro, dois já tiveram dengue. Os mosquitos reinam em toda parte.
Assim mesmo, cruzando na rua com grávidas, me surpreendo ao vê-las tão nuas. Um bustiê de alcinhas, um shortinho, e o barrigão à mostra. Já me disseram que esse é o uniforme das mais jovens. Porém, das mais velhas que encontro nenhuma está de mangas compridas e decote tapado. Não têm medo? Não acreditam na epidemia de Zika que está exigindo a atenção do mundo todo? Ou é o mesmo modo de pensar que faz com que pessoas joguem lixo no terreno atrás da própria casa ou usem seu quintal para desovar qualquer traquitana? Na luta contra o mosquito, Oswaldo Cruz retirou 36 carroças de lixo de casas e terrenos. Mas isso foi no início do século passado. De lá para cá a cidade só fez crescer, e o lixo com ela.