Marina Manda Lembranças F rankfurt — Na verdade, acabei de deixar Frankfurt. Escrevo em um trem, a caminho de Colônia, onde à noite ...

Marina Manda Lembranças
Tenho um sentimento de intimidade com Colônia porque ali morei durante um mês, ao tempo em que Affonso lecionava na universidade . Estou quase emocionada de voltar. Sei que saindo da estação verei a Catedral à minha frente, severa e escura como uma muralha. Havia bandeiras esvoaçantes ao meu tempo, mas os tempos são outros e me preparo para a sua ausência.
Ontem, em Mainz, tivemos um evento enternecedor. Cerca de oito crianças, de 5 a 11 anos, haviam preparado uma encenação de A Moça Tecelã. O público era pequeno, de pais, amigos, alguns brasileiros ligados ao CCBF (Centro de Cultura Brasileiro de Frankfurt), gente amorosa que havia se disposto a sair num domingo frio logo depois do almoço.
Houve perguntas depois da apresentação. Um artista português disse que quando era menino os contos vinham sempre acompanhados de uma moral, queria saber se meu conto também tinha uma moral. Respondi que meus contos nunca têm uma única moral ou uma única possibilidade de leitura, mas várias, de acordo com quem lê. Liliane, a professora — e agora já minha amiga — que havia preparado as crianças disse que, sendo assim, devíamos perguntar a elas. E o fizemos. Os pequenos não tinham resposta, mas uma menina de 11 anos levantou a mão e disparou: “A moral dessa história é que os homens não são necessários”.
Escrevo e de vez em quando paro e olho para fora. Que tão apaziguante é a paisagem. A natureza tem, neste inverno que está acabando, uma cor que não é marrom nem é esverdeada – embora alguns campos já verdejem — , uma cor que eu faria na palheta misturando roxo e marrom e juntando um mínimo toque de carmim, cor mansa e uniforme que aconchega para o sono e para a lã. Durará só mais alguns dias. Em Frankfurt algumas árvores já estão todas floridas de branco e flagrei minúsculas margaridas despontando nos gramados. A primavera está a caminho nas escuras veias dos galhos.
Comemos bolo e tomamos suco depois da apresentação, uma moça chegou esbaforida trazendo uma caixa de pães de queijo. Ela sempre faz pão de queijo para animar os eventos do CCBF.
Há dois modelos básicos para a presença de mulheres brasileiras na Alemanha. No primeiro, a moça de pais ou avós alemães veio à Alemanha completar os estudos, gostou, encontrou um alemão mais interessante que os demais, gostou dele também, casou e ficou. No segundo, o alemão foi para o Brasil a trabalho ou levado por alguma atividade, conheceu a moça, namoraram, casaram e vieram morar na Alemanha. Em ambos os casos a presença delas aqui se deve ao amor, e o calor desse amor se transmite à rede que tecem entre si, de cumplicidade e origem comum, de saudade, de semelhança e pão de queijo.
Falamos disso reunidas por alguns minutos na grande sala europeia, ao redor da caixa aberta da qual exalava um perfume tão brasileiro. Falamos de homens e mulheres, havia dois homens presentes que sorriam ao se verem desenhados pela fala delas, falamos de homens alemães e mulheres brasileiras, parece que a combinação dá muito certo, bem mais do que aquela, menos comum, de homem brasileiro com mulher alemã. E, a tarde acabando, voltei a Frankfurt levando o buquê de flores de papel crepom que as crianças haviam feito para mim.